O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

28.2.07

Ser livre no dom de si próprio



“O individualismo trouxe a corrupção do conceito e exercício da liberdade. A liberdade pessoal aparece, frequentemente, como afirmação de si próprio e dos interesses egoístas e não como capacidade de se dar ao outro numa relação afectiva profunda e definitiva.
Numa sociedade em que o ideal de vida é a independência, as relações conjugais e familiares são vistas como uma pesada carga que rouba a liberdade e que é causa de sofrimento e de infelicidade. Esta deformação do significado da liberdade tem introduzido perturbações graves no seio da vida familiar, quer na relação do casal quer na relação entre pais e filhos. A família torna-se, assim, um conjunto de indivíduos com direitos e deveres regulados pela Lei, e não uma comunidade de vida e amor, onde o exercício da liberdade se traduz no dom de si próprio, na partilha, na solidariedade e no serviço feito por amor.”
(Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, A Família, esperança da Igreja e do mundo, Maio 2004, nº 17)

A família enfrenta muitas vezes dificuldades de relacionamento, que não sabe diagnosticar, enfrentar nem resolver.
• A delicadeza das circunstâncias exige muitas vezes presença sem intromissão. Como poderemos ajudar estas famílias disfuncionais a encontrar-se e descobrir a riqueza da vida familiar?
• As famílias alargadas e comunidades coesas desempenham um importante suporte para apoiar famílias disfuncionais ou em crise. Como poderemos fomentar o estabelecimento destas redes de suporte?
• Até que ponto as falsas ideias de liberdade são, para nós, contrárias aos compromissos do casal e prejudicam uma atitude de entrega?


P.e Domingos Paulo Oliveira

«à beira do farol faz escuro»




Os grandes místicos sabem que quanto mais próximo está um coração de Deus mais sensível é a experiência da separação. Como se alguém ou algo viesse perturbar o estado de felicidade a que tinha chegado. No caminho da Páscoa lembro muitas vezes o que a Sagrada Escritura diz: Jesus foi guiado pelo Espírito Santo ao deserto para ser tentado.

[Mário Rui de Oliveira]

27.2.07

Chave para ser bom confessor: ser antes bom penitente


«O bom confessor é antes de tudo um bom penitente»

«Ninguém pode ser sinal da misericórdia divina se primeiro não experimentou em sua própria carne tal misericórdia», reconhece o Pe. Amedeo Cencini, da Universidade Pontifícia Salesiana (Roma).
Afirma, assim, o conteúdo do discurso que Bento XVI pronunciou recentemente ante os padres penitenciários das basílicas papais de Roma, sobre a confissão, o confessor e o penitente.«Instrumento activo da misericórdia divina», o confessor, sublinhou o Papa, precisa «de uma boa sensibilidade espiritual e pastoral», «séria preparação teológica, moral e pedagógica que lhe permita compreender o que a pessoa vive», assim como «conhecer os ambientes sociais, culturais e profissionais de quem chega ao confessionário».
«Não se deve esquecer que o sacerdote, neste sacramento, está chamado a desempenhar o papel de pai, juiz espiritual, mestre e educador», coisa que «exige uma actualização constante».
O Papa sublinhou, ainda, ante os sacerdotes, a impossibilidade de «pregar o perdão e a reconciliação aos outros» se não se está «pessoalmente penetrado por ele». E ao concluir, Bento XVI disse haver necessidade de «redescobrir e voltar a propor este sacramento».
A partir desse discurso, numa entrevista difundida na sexta-feira pelo Serviço de Informação Religiosa da Conferência Episcopal Italiana, o padre Cencini, também professor do Instituto de Psicologia da Universidade Gregoriana, advertiu sobre um «dado inquietante»: «Honestamente, tem-se a impressão de que nem sempre o sacerdote outorga a adequada relevância à dimensão penitencial da vida cristã, em termos de importância pastoral e, portanto, de preparação pessoal, de tempo a ela dedicado, de estratégia educativa», de onde se deriva o risco «de fazer os fiéis considerarem a experiência da confissão como menos importante.»

Questão de filiação

A relevância do expressado está em que «na vida cristã, a descoberta e a experiência do próprio pecado é o outro lado, complementar, da experiência de ser filhos», alerta o Pe. Cencini.
Isto é, «é a descoberta do pecado o que faz descobrir quão grande é o amor de Deus por mim, dado que me perdoa tudo e é a experiência da paternidade de Deus misericordioso o que me faz reconhecer a gravidade de meu acto transgressor».
«Em outras palavras, só o pecador pode desfrutar e comover-se ante o abraço do pai, e só o filho pode admitir a gravidade de suas culpas», sintetiza.

Questão de formação e vivência

É aí onde «a formação inicial dos sacerdotes é um ponto delicado: o bom confessor é antes um bom penitente», assinala o Pe. Cencini, consultor há mais de uma década da Congregação vaticana para a Vida Consagrada.
«O estudo da teologia moral não pode ser simplesmente o estudo de uma complexa casuística ou a aquisição de normas para avaliar comportamentos, que se deve revisar periodicamente, mas que é um todo com a experiência pessoal do próprio pecado perdoado e redimido, para dar espaço a uma séria preparação capaz de compreender a vivência das pessoas.»
Isso marca igualmente «a necessidade, também para os futuros sacerdotes, de levar a cabo essa peregrinação penitencial que reúne todos os crentes para descobrir as próprias debilidades e fragilidades não só psicológicas, mas também espirituais».
E implica, para todos, «redescobrir a sacralidade da confissão»: entendê-la «como nova criação», «não simplesmente para suprimir os pecados cometidos, mas para voltar a pôr a própria vida nas mãos do Criador».
«É esta a dimensão sacra da confissão, que faz dela um verdadeiro renascimento espiritual capaz de transformar aquele que se arrepende em uma nova criatura».

26.2.07

Mensagem para a Quaresma 2007 do Senhor Arcebispo Primaz de Braga




A Quaresma acontece sempre como uma graça renovada que o Ano Litúrgico nos oferece. Infelizmente, deixamo-nos possuir pela rotina e a sua incidência na vida dos cristãos e das comunidades começa a ser diminuta.

Poderemos restituir-lhe o significado original?

Reconheço que a vida moderna coloca muitas condicionantes. Importa, por isso, “impor-se” um programa, exigente e sereno, a nível pessoal e comunitário.

1. “Hão-de olhar para aquele que trespassaram” (Jo. 19,37 [Zc 12,10]).

O Santo Padre conduz-nos, na sua habitual mensagem da Quaresma, para a redescoberta do essencial do cristianismo. Orienta-o a profecia, recordada por Cristo, e que continua a ser eloquência sublime. Na cruz encontramos o amor oblativo (ágape) de quem só busca o bem do outro assim como o apelo de quem espera uma correspondência (eros). Deus dá tudo e é o Seu amor gratuito que está solicitando uma correspondência.

Daí que a Quaresma, na linha da Encíclica de Bento XVI “Deus caritas est” - que deveríamos reler pausadamente, - deveria tornar-se momento duma “experiência renovada do amor de Deus”, oferecido em Cristo, a “dar novamente” ao próximo “sobretudo a quem mais sofre e é necessitado”. Contemplando “aquele que trespassaram”, teremos de “combater qualquer forma de desprezo da vida e de exploração da pessoa e de aliviar os dramas da solidão e do abandono de tantas pessoas”.

[...]

[ver toda a mensagem aqui no site da Arquidiocese de Braga]

espero pela quaresma

(imagem do filme Sacrifício de Andrei Tarkovski)

Gostei muito de ouvir aquela amiga: «espero pela quaresma, como quem espera por uma nova vida». Porque é disso que se trata. Quase insensivelmente vamos amontoando tanta morte dentro de nós, tantas histórias inacabadas, tanta omissão. E pior ainda, vamo-nos habituando a isso. A quaresma não é feita de dias, mas de caminhos, gestos, de oração, atitudes, esperança. Como quem espera por uma nova vida.

25.2.07

Dimensão terapêutica da fé


“Para definir a situação do cristianismo, temos que afirmar que este, diferentemente do budismo, não é uma religião ascética, mas uma religião terapêutica… O cristianismo é a única religião que, com a sua mensagem de ressurreição, aceitou a morte… Falando metaforicamente, diremos que na noite do Gólgota amanheceu um sol invisível: o sol do amor vivido por Jesus e que apontava para Deus. E este amor, tal como responde à questão sobre a identidade do ser humano, também responde à questão sobre o sentido do seu sofrimento, incluindo o sofrimento – muito especialmente – que padece aquele que sofre uma doença crónica… Por isso, no vasto campo das terapias, não aparece tão facilmente uma outra terapia como o cristianismo, o qual, no mesmo sentido em que realiza a luta contra a morte, demonstra ser a grande religião da superação da angústia… Por isso, o programa da teologia terapêutica pode sintetizar-se na frase: «O sofrimento tem sentido»!

Eugen Biser (teólogo e filósofo alemão)

24.2.07

I Domingo da Quaresma


I Domingo da Quaresma

Ano C

Lc. 4,1-13


Inicia o tempo da Quaresma, um tempo de graça que deve ser vivido por todos os cristãos como ocasião de conversão, de regresso a Deus: somos chamados a deslocar o nosso olhar dos ídolos alienantes que nos seduzem, para os dirigir para o único Senhor das nossas vidas. É um tempo de luta espiritual, de simplificações, isto é, de autenticidade para connosco próprios e para com Deus: tudo isto «tendo fixo o olhar em Jesus» (Heb 12,2) e colocando a nossa luta na sua; de facto, «por ter sido tentado na primeira pessoa ele é capaz de vir em auxílio daqueles que sofreram a provação» (Heb 2,18).

O Evangelho deste primeiro domingo da Quaresma narra-nos precisamente a luta de Jesus contra as tentações. A experiência por ele vivida no baptismo, a de ouvir da boca do pai as palavras «Filho amado» (Lc 3,22), não o inibiu de um percurso sem provações: logo depois de ter recebido a imersão no rio Jordão, «Jesus foi conduzido pelo espírito ao deserto» -lugar de solidão e de redução ao essencial - «onde por quarenta dias foi tentado pelo diabo». Aqui se confronta com a possibilidade do mal e «é tentado em todas as coisas como nós, sem contudo cometer pecado» (Heb 4,15). Sim, realmente Jesus foi tentado, foi posto de fronte á possibilidade de viver por si mesmo, saindo da comunhão com Deus e com os irmãos: devemos levar a sério as tentações vividas por Jesus, porque só assim poderemos aprender dele a arte da luta.

Lucas exemplifica em número de três as tentações sofridas por Jesus: mudar as pedras e pão, possuir os reinos da terra, lançar-se do alto do templo para ser salvo pelos anjos. Diante da fome, Jesus não absolutiza as suas necessidades e não subverte a criação para satisfazê-las; não cede à tentação do milagre que suprime o cansaço do trabalho para tirar da terra o alimento. Jesus partilhará certamente o pão com milhares de pessoas (cf. Lc 9, 12-17), mas a partir do pouco colocado á disposição por alguém, poucos pães e poucos peixes fruto da bênção de Deus sobre o trabalho do homem. É esta a via com a qual ele mostra que «nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Dt 8,3).

Diante da vertigem das alturas a que o diabo o conduz, à visão «num instante de todos os reinos da terra» e à inebriante promessa de poder e glória, Jesus não se subtrai aos limites do espaço e do tempo constitutivos da humanidade, mas vive uma radical obediência a Deus. Não se deixa arrastar pelo delírio da omnipotência, do fascínio perverso do «tudo e já», mas guarda o sentido do limite, da unicidade de Deus e da distancia em relação a ele. Eis porque responde a Satanás: «Só diante do Senhor teu Deus te prostrarás, só a ele adorarás» (Dt 6,13).

Em Jerusalém, Jesus não cede à tentação do prodigioso e não se subtrai aos limites da própria corporeidade. Ele não impõe a própria messianidade com a evidência de um gesto extraordinário que obrigue a gente a aderir a ele, não dobra as Escrituras à afirmação de si. E assim, ao demónio que lhe cita uma frase retirada dos salmos, mostra concretamente o que significa «não tentarás o Senhor teu Deus» (cf. Dt 6,16).

Enfim, tentado pelos elogios de Satanás, Jesus reage através de uma atitude de radical obediência a Deus e ao próprio ser criatura, permanecendo – por assim dizer - com os pés por terra: ele protege com sobriedade e segurança a própria humanidade, salvaguardando assim também a imagem de Deus revelada pelas Escrituras, sem a substituir por uma imagem «manufacturada». E a arma com a qual Jesus chega à vitória é a submissão à Palavra de Deus: em resposta às tentações, sobre a sua boca ressoa apenas a Palavra de Deus contida nas Escrituras, uma Palavra que ele assume e vive no seu significado profundo, não na sua simples letra, como faz Satanás…

Sim, o combate espiritual consiste no predispor toda a fibra do nosso ser para a acção operada por Deus em nós por meio de Jesus Cristo, o verdadeiro protagonista da nossa luta. É quanto nos pede a Igreja, através das palavras da oração que nos oferece a liturgia deste domingo: «Concedei-nos, Deus omnipotente, que pela observância quaresmal, alcancemos maior compreensão do mistério de Cristo e a nossa vida seja um seu digno testemunho».

Enzo Bianchi
Prior de Bose

(trad: Mário Rui de Oliveira)

Oração para a Quaresma de Efrém, o Sírio (+373)

Senhor da minha vida
afasta de mim
o espírito do ócio
da tristeza
do domínio
e as palavras vãs.

Concede ao teu servo
o espirito da castidade
da humildade
da perseverança
e a caridade nunca falte.

Sim, meu Senhor e meu Rei
concede-me ver meus pecados
e de não julgar o irmão.
Tu és bendito
pelos séculos dos séculos
Amén.

23.2.07

A Igreja e a internet


Em 22 de fevereiro de 2002, precisamente publicado à 5 anos, John P. Foley, Presidente do Pontificio Conselho para as Comunicações Sociais, assinava uma nota sobre a Igreja e a internet. Aqui fica o início do texto e aqui o texto completo.

A Igreja e a internet

INTRODUÇÃO

1. O interesse da Igreja pela Internet constitui uma particular expressão do seu antigo interesse pelos meios de comunicação social. Considerando os meios de comunicação como o resultado do processo histórico-científico, mediante o qual a humanidade foi « progredindo cada vez mais na descoberta dos recursos e dos valores contidos em tudo aquilo que foi criado »,1 a Igreja tem declarado com frequência a sua convicção de que eles são, em conformidade com as palavras do Concílio Vaticano II, « maravilhosas invenções técnicas » 2 que já contribuem em grande medida para ir ao encontro das necessidades humanas e podem fazê-lo ainda mais.

Desta forma, a Igreja tem feito uma abordagem fundamentalmente positiva dos meios de comunicação.3 Mesmo quando condenam os abusos sérios, os documentos deste Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais têm-se esforçado por esclarecer que « uma atitude de pura restrição ou de censura por parte da Igreja... não resulta suficiente nem apropriada ».4

Citando a Carta Encíclica Miranda prorsus (1957), do Papa Pio XII, a Instrução Pastoral sobre os meios de comunicação social Communio et progressio, publicada em 1971, sublinhou que: « A Igreja encara estes meios de comunicação social como “dons de Deus” na medida em que, segundo a intenção providencial, criam laços de solidariedade entre os homens, pondo-se assim ao serviço da Sua vontade salvífica ».5 Este continua a ser o nosso ponto de vista e esta é a visão que temos acerca da Internet.

2. Na opinião da Igreja, a história da comunicação humana parece-se com uma longa peregrinação, que leva a humanidade « desde o projecto de Babel, baseado no orgulho, que acabou na confusão e incompreensão recíproca a que deu origem (cf. Gn 11, 1-9), até ao Pentecostes e ao dom de falar diversas línguas, quando se dá a restauração da comunicação, baseada em Jesus, através da acção do Espírito Santo ».6 É na vida, morte e ressurreição de Cristo, « é em Deus feito Homem, nosso Irmão, que se encontra o fundamento e o protótipo da comunicação entre os homens ».7

Os modernos meios de comunicação social constituem factores sociais que têm um papel a desempenhar nesta história. Como o Concílio Vaticano II salienta, « ainda que haja que distinguir cuidadosamente o progresso terreno e o crescimento do Reino de Cristo », contudo « este progresso tem muita importância para o Reino de Deus, na medida em que pode contribuir para uma melhor organização da sociedade humana ».8 Considerando os meios de comunicação social a esta luz, observamos que eles « contribuem eficazmente para unir e cultivar os espíritos, e propagar e afirmar o reino de Deus ».9

Hoje, isto é válido de forma especial no que se refere à Internet, que está a contribuir para promover transformações revolucionárias no comércio, na educação, na política, no jornalismo e nas relações transnacionais e interculturais — mudanças estas que se manifestam não só no modo de os indivíduos se comunicarem entre si, mas na forma de as pessoas compreenderem a sua própria vida. Num documento associado a este, intitulado Ética na Internet, abordamos estas questões na sua dimensão ética.10 Aqui, consideramos as implicações da Internet para a religião e, de maneira especial, para a Igreja católica.

[...]

22.2.07

O dia de cinzas...


(Mark Rothko)

Os ícones do mais fino oiro e do celestial lápis-lazúli tinham sido retirados na noite anterior cedendo lugar ao deserto. Os panejamentos bordeaux, os lisos seixos e a aridez de um ramo ressequido eram eloquentes na sobriedade e presidiam ao espaço litúrgico. Soaram as 12.15h nos sinos de Bose e os monges, eles e elas, vindos da direita e da esquerda, ajoelharam-se num ritual de silêncio. Impera sempre a cerimónia naqueles gestos —gestos antigos e vindos de muito longe — que é tudo menos ritualismo herético e vazio, mas antes uma delicadeza no trato, na colocação da voz e do corpo (óh elegante voo de águia no estendimento!), nos mínimos passos que vão de uma vela a outra... O Abade entra, um entre tantos, único e soberano. Começa o kyrie eleison, o cântico do salmo 50 («cria em mim ó Deus um coração puro...»), a liturgia da Palavra, a flamejante e balsâmica homilia sobre o jejum, a oração, a esmola, e depois, logo depois, o discernimento dos próprios pecados... Agora o presidente convida todos a receber em suas mãos as cinzas, a olhar para elas, a tocar nelas, a sujar as mãos com elas, a sentir-se incomodado com elas, com as cinzas.... com as mãos... as mãos e as cinzas. E em seguida ouvíamos da sua boca: «Diante do Senhor os teus pecados pesam tanto como esta cinza. Vai em paz»

Mário Rui de Oliveira

21.2.07

Dez símbolos para a Quaresma



A quaresma começa, precisamente, com um símbolo bem conhecido e consolidado: a Cinza, que nos lembra a condição efêmera da vida e seu destino de eternidade em Deus. A Cinza de cada ano, recorda também a árvore da Cruz Ressuscitada da Vigília Pascal do ano anterior.

1. A quaresma é DESERTO. É aridez, solidão, jejum, austeridade, rigor, esforço, penitência, perigo, tentação.

2. A quaresma é PERDÃO. As histórias bíblicas de Jonas e de Nínive e a parábola do filho pródigo são exemplos dele.

3. A quaresma é ENCONTRO, é abraço de reconciliação como na parábola do filho pródigo ou na conversão de Zaqueu ou no diálogo de Jesus Cristo com a mulher adúltera.

4. A quaresma é LUZ, como se põe em evidência, por exemplo, no evangelho do cego de nascimento. É a passagem das trevas para a luz. Jesus Cristo é a luz do mundo.

5. A quaresma é SAÚDE, símbolo manifestado nos textos como na cura do paralítico ou do filho do centurião.

6. A quaresma é ÁGUA. É a passagem da sede de nossa insatisfação para a água viva, da água de Moisés ao povo de Israel no deserto à água de Jesus à mulher samaritana.

7. A quaresma é superação vitoriosa das provas e dificuldades. É LIBERTAÇÃO. Algumas figuras bíblicas, que sofrem graves perigos e vencem na prova, são José filho de Jacó, a casta Suzana, Ester, o profeta Jeremias e, sobretudo, Jesus, tentado e transfigurado.

8. A quaresma é CRUZ. Sinal e presença permanente durante toda a quaresma. Prefigurada no Antigo Testamento e manifestada com o exemplo de Jesus Cristo e com seu convite de carregá-la como condição para o seguimento.

9. A quaresma é TRANSFIGURAÇÃO. É a luz definitiva do caminho quaresmal, preanunciada e vivida na cena da transfiguração de Jesus. Pela cruz para a luz".

10. A quaresma é o esforço para retirar o fermento velho e incorporar a FERMENTAÇÃO nova da Páscoa da Ressurreição de Cristo Jesus, agora e para sempre.

Embora seja noite


Proposta de um texto para rezar em tempo de Quaresma. Eis um excerto daquilo que o autor nos oferece:

a minha oração é um deserto nevado
em tua cruz se crava o meu silêncio

nós os que estamos no campo das perguntas
não procuramos meteoritos ou prodígios
nem paisagem nem céu será bastante
nem o teu rosto que supliciado o ocultam os cabelos
nem tão pouco o sangue em que romântica se compraz a compaixão

nós os que fazemos o campo das perguntas
reconhecemos-te às vezes quando o pão se parte
e o olhar se resguarda enxuto das miragens

a nossa lavoura é um deus que vem
e este humano ofício de pensar
certa manhã quando por fim erguida
as mãos vazias
que o amor visitam
que no amor vacilam

17.2.07

No rescaldo do referendo


A propósito do comportamento do povo português – que se declara maioritariamente católico… – no referendo recentemente realizado, gostaria de colocar à consideração duas breves reflexões, orientadas para a pastoral.
1. Em primeiro lugar, a notável diferença de resultados, entre este escrutínio e o realizado anteriormente, mostra a crescente influência, sobretudo sobre as gerações mais jovens, de elementos determinantes da nossa cultura globalizadora. Tal como afirma a recente nota da Conferência Episcopal Portuguesa, “esta mutação cultural tem várias causas, nomeadamente: a mediatização globalizada das maneiras de pensar e das correntes de opinião; as lacunas na formação da inteligência, que o sistema educativo não prepara para se interrogar sobre o sentido da vida e as questões primordiais do ser humano; o individualismo no uso da liberdade e na busca da verdade, que influencia o conceito e o exercício da consciência pessoal; a relativização dos valores e princípios que afectam a vida das pessoas e da sociedade”. A participação comprometida de muitos jovens na campanha de esclarecimento revelou que estas influências não são absolutas nem irremediáveis. Mas não podemos ignorar que são determinantes. É com elas que a pastoral da Igreja – sobretudo a pastoral juvenil – tem que contar, se quer dar um contributo alternativo a um cultura que pode vir a prejudicar gravemente a humanidade dos humanos.
2. Em segundo lugar, a abstenção da maioria dos portugueses levanta questões de vária ordem, como a do desinteresse progressivo pelas coisas públicas, quando não se vê uma influência directa sobre os interesses privados. No campo da pastoral, tal realidade deveria fazer pensar a todos os agentes comprometidos. Será que temos trabalho suficientemente a dimensão política da fé cristã? Não reduziremos, demasiado, a transmissão da fé, em todas as modalidades, à sua pertinência individual e interior, quando muito eclesial ou «de sacristia»? Que grande número de católicos, chamados a pronunciar-se sobre assunto público tão significativo, prefira ficar comodamente em casa, porque nisso não vê qualquer proveito individual, é uma realidade que deveria impulsionar a um recentramento da actividade pastoral. A perda da dimensão da alteridade, que descentra cada crente em favor dos outros, sobretudo dos mais desprotegidos e dos que não têm voz, é algo grave, do ponto de vista cristão. Se o cristianismo não tiver suficiente pertinência sócio-política, perderá qualquer pertinência, pura e simplesmente.

João Duque

16.2.07

Nota da CEP sobre o resultado do referendo ao aborto


O NOVO CONTEXTO DA LUTA PELA VIDA


Nota Pastoral


Reunida em Assembleia extraordinária, após o habitual retiro, a Conferência Episcopal Portuguesa, na sequência do referendo de 11 de Fevereiro, decidiu propor algumas reflexões pastorais aos cristãos e à sociedade em geral.
1. Apesar de a maioria dos eleitores não se ter pronunciado, o resultado favorável ao “Sim” é sinal de uma acentuada mutação cultural no povo português, que temos de enfrentar com realismo, pois indicia o contexto em que a Igreja é chamada a exercer a sua missão. Manifestou-se uma cultura que não está impregnada de valores éticos fundamentais, que deveriam inspirar o sentido das leis, como é o do carácter inviolável da vida humana, aliás consagrado na nossa Constituição. Esta mutação cultural tem várias causas, nomeadamente: a mediatização globalizada das maneiras de pensar e das correntes de opinião; as lacunas na formação da inteligência, que o sistema educativo não prepara para se interrogar sobre o sentido da vida e as questões primordiais do ser humano; o individualismo no uso da liberdade e na busca da verdade, que influencia o conceito e o exercício da consciência pessoal; a relativização dos valores e princípios que afectam a vida das pessoas e da sociedade.
Reconhecemos, também, que esta realidade social, em muitas das suas manifestações, tem posto a descoberto, em vários aspectos, alguma fragilidade do processo evangelizador, mormente em relação aos jovens. A nossa missão pastoral, por todos os meios ao nosso alcance, tem de visar este fenómeno da mutação cultural, pois só assim ajudaremos a que os grandes valores éticos continuem presentes na compreensão e no exercício da liberdade.
2. Congratulamo-nos com a vasta e qualificada mobilização, verificada nas últimas semanas, em volta da defesa do carácter inviolável da vida humana e da dignidade da maternidade. É um sinal positivo de esperança. É importante que permaneça activa, que encontre a estrutura organizativa necessária, para continuar a participar neste debate de civilização.
O debate do referendo esteve centrado na justeza de um projecto de lei que, ao procurar despenalizar, acaba por legalizar o aborto. A partir de agora o nosso combate pela vida humana tem de visar, com mais intensidade e novos meios, os objectivos de sempre: ajudar as pessoas, esclarecer as consciências, criar condições para evitar o recurso ao aborto, legal ou clandestino. Esta luta deveria empenhar, progressivamente, toda a sociedade portuguesa: Estado, Igrejas, movimentos e grupos e restante sociedade civil. E os caminhos para se chegar a resultados positivos são, a nosso ver: a alteração de mentalidades, a formação da consciência, a ajuda concreta às mães em dificuldade.
3. A mudança de mentalidade interpela a nossa missão evangelizadora, de modo particular a evangelização dos jovens, das famílias e dos novos dinamismos sociais. Toda a missão da Igreja tem de ser, cada vez mais, pensada para um novo contexto da sociedade. São necessárias criatividade e ousadia, na fidelidade à missão da Igreja e às verdades evangélicas que a norteiam.
Faz parte dessa missão evangelizadora o esclarecimento das consciências. A Igreja respeita a consciência, o mais digno santuário da liberdade. Não a ameaça, nem atemoriza, mas quer ajudar a esclarecê-la com a verdade, pois só assim poderá exprimir a sua dignidade.
Esta verdade iluminadora das consciências provém de um sadio exercício da razão, no quadro da cultura; é-nos revelada por Deus, que vem ao encontro do ser humano; é património de uma comunidade, cuja tradição viva é fonte de verdade, enquadrando a dimensão individual da liberdade e da busca da verdade. Para os católicos, a verdade revelada, transmitida pela Igreja no quadro de uma tradição viva, é elemento fundamental no esclarecimento das consciências.
Aos católicos que, no aceso deste debate, se afastaram da verdade revelada e da doutrina da Igreja, convidamo-los a examinarem, no silêncio e tranquilidade do seu íntimo, as exigências de fidelidade à Igreja a que pertencem e às verdades fundamentais da sua doutrina.
Aos fiéis católicos lembramos, neste momento, que o facto de o aborto passar a ser legal, não o torna moralmente legítimo. Todo o aborto continua a ser um pecado grave, por não cumprimento do mandamento do Senhor, “não matarás”.
Apelamos aos médicos e profissionais de saúde para não hesitarem em recorrer ao estatuto de “objectores de consciência” que a Lei lhes garante.
Às mulheres grávidas que se sintam tentadas a recorrer ao aborto, aos pais dos seus filhos, pedimos que não se precipitem. A decisão de abortar é, na maior parte dos casos, tomada em grande solidão e sofrimento. Um filho que, no início, aparece como um problema, revela-se, tantas vezes, como a solução das suas vidas. Tantas mulheres que abortaram sentem, mais tarde, que se pudessem voltar atrás teriam evitado o acto errado. Abram-se com alguém, reflictam, em diálogo, na gravidade da sua decisão.
4. Mas há uma resposta urgente a dar ao drama do aborto: criar ou reforçar estruturas de apoio eficaz e amigo às mulheres a braços com uma maternidade não desejada e que consideram impossível levar até ao seu termo. Estudos recentes mostram que a maior parte das mulheres nessas circunstâncias, se fossem ajudadas não recorreriam ao aborto. É um dever de todos nós, de toda a sociedade, criar essas estruturas de apoio.
Uma das novidades da campanha do referendo foi o facto de muitos defensores do “Sim” – a começar pelo Governo da Nação, que se quis comprometer numa questão que não é de natureza estritamente política – afirmarem ser contra o aborto, quererem acabar com o aborto clandestino e diminuir o número de abortos. Registamos esse objectivo, mas pensamos que o único caminho eficaz e verdadeiramente humano é avançarmos significativamente na formação da juventude e no apoio à maternidade e à família. Não poderemos esquecer que, no quadro social actual, a maternidade se tornou mais difícil. No actual contexto das nossas sociedades ocidentais só se chegará a uma política equilibrada de natalidade com um apoio eficaz à maternidade, com particular atenção à maternidade em circunstâncias difíceis e, por vezes, dramáticas.
No que à Igreja diz respeito, continuaremos a incluir esta acção de acolhimento e ajuda às mães entre as nossas prioridades. Mas para que esta acção seja eficaz, precisa-se da convergência de todos, Estado e sociedade civil. Demo-nos as mãos para acabar com o aborto e tornar a lei, que agora se vai fazer, numa lei inútil.
5. A busca de uma solução, a médio e a longo prazo, tem de passar, também, por uma política de educação que forme para a liberdade, na responsabilidade, concretizada numa correcta educação da sexualidade. Esta constitui um dos dinamismos mais ricos e complexos do ser humano, onde se exprimem a dimensão relacional e a vocação para o amor e para a comunhão. Uma vivência desregrada da sexualidade é uma das principais causas das disfunções sociais e da infelicidade das pessoas. A sã educação da sexualidade há-de abrir para a gestão responsável da própria fecundidade, através de um planeamento familiar sadio, que respeite e integre as opções morais de cada um. Quando a geração de um filho não for fruto de irreflexão, mas de um acto responsável, estará resolvido, em grande parte, o problema do aborto.
6. A luta pela vida, pela dignificação de toda a vida humana, é uma das mais nobres tarefas civilizacionais. Não será o novo contexto legal que nos enfraquecerá no prosseguimento desta luta. A Igreja continuará fiel à sua missão de anúncio do Evangelho da vida em plenitude e de denúncia dos atentados contra a vida.

Fátima, 16 de Fevereiro de 2007

A gratidão


Agradecer. Numa cultura de exigências e de direitos esquecemo-nos tantas vezes de agradecer. De acolher as pequenas coisas como uma espécie de perfume que faz bem ao coração. De não ter medo da delicadeza de um obrigado ou de um sorriso. A gratidão dá-nos a medida da consciência com que vivemos. Bom dia.

[Mário Rui de Oliveira]

Mensagem da Quaresma


MENSAGEM DE SUA SANTIDADE O PAPA
BENTO XVI PARA A QUARESMA
DE 2007

«Hão-de olhar para Aquele
que trespassaram» (Jo 19, 37)

Queridos irmãos e irmãs!

«Hão-de olhar para Aquele que trespassaram» (Jo 19, 37). Este é o tema bíblico que guia este ano a nossa reflexão quaresmal. A Quaresma é tempo propício para aprender a deter-se com Maria e João, o discípulo predilecto, ao lado d’Aquele que, na Cruz, cumpre pela humanidade inteira o sacrifício da sua vida (cf. Jo 19, 25). Portanto, dirijamos o nosso olhar com participação mais viva, neste tempo de penitência e de oração, para Cristo crucificado que, morrendo no Calvário, nos revelou plenamente o amor de Deus. Detive-me sobre o tema do amor na Encíclica Deus caritas est, pondo em realce as suas duas formas fundamentais: o agape e o eros.

O amor de Deus: agape e eros

A palavra agape, muitas vezes presente no Novo Testamento, indica o amor oblativo de quem procura exclusivamente o bem do próximo; a palavra eros denota, ao contrário, o amor de quem deseja possuir o que lhe falta e anseia pela união com o amado. O amor com o qual Deus nos circunda é sem dúvida agape. De facto, pode o homem dar a Deus algo de bom que Ele já não possua? Tudo o que a criatura humana é e possui é dom divino: é portanto a criatura que tem necessidade de Deus em tudo. Mas o amor de Deus é também eros. No Antigo Testamento o Criador do universo mostra para com o povo que escolheu uma predilecção que transcende qualquer motivação humana. O profeta Oseias expressa esta paixão divina com imagens audazes, como a do amor de um homem por uma mulher adúltera (cf. 3, 1-3); Ezequiel, por seu lado, falando do relacionamento de Deus com o povo de Israel, não receia utilizar uma linguagem fervorosa e apaixonada (cf. 16, 1-22). Estes textos bíblicos indicam que o eros faz parte do próprio coração de Deus: o Omnipotente aguarda o «sim» das suas criaturas como um jovem esposo o da sua esposa. Infelizmente desde as suas origens a humanidade, seduzida pelas mentiras do Maligno, fechou-se ao amor de Deus, na ilusão de uma impossível auto-suficiência (cf. Gn 3, 1-7). Fechando-se em si mesmo, Adão afastou-se daquela fonte de vida que é o próprio Deus, e tornou-se o primeiro daqueles «que, pelo temor da morte, estavam toda a vida sujeitos à escravidão» (Hb 2, 15). Deus, contudo, não se deu por vencido, aliás o «não» do homem foi como que o estímulo decisivo que o levou a manifestar o seu amor em toda a sua força redentora.

A Cruz revela a plenitude do amor de Deus

É no mistério da Cruz que se revela plenamente o poder incontível da misericórdia do Pai celeste. Para reconquistar o amor da sua criatura, Ele aceitou pagar um preço elevadíssimo: o sangue do seu Filho Unigénito. A morte, que para o primeiro Adão era sinal extremo de solidão e de incapacidade, transformou-se assim no acto supremo de amor e de liberdade do novo Adão. Pode-se então afirmar, com São Máximo, o Confessor, que Cristo «morreu, se assim se pode dizer, divinamente, porque morreu livremente» (Ambigua, 91, 1956). Na Cruz manifesta-se o eros de Deus por nós. Eros é de facto – como se expressa o Pseudo Dionísio – aquela «força que não permite que o amante permaneça em si mesmo, mas o estimula a unir-se ao amado» (De divinis nominibus, IV, 13: PG 3, 712). Qual «eros mais insensato» (N. Cabasilas, Vita in Cristo, 648) do que aquele que levou o Filho de Deus a unir-se a nós até ao ponto de sofrer como próprias as consequências dos nossos delitos?

«Aquele que trespassaram»

Queridos irmãos e irmãs, olhemos para Cristo trespassado na Cruz! É Ele a revelação mais perturbadora do amor de Deus, um amor em que eros e agape, longe de se contraporem, se iluminam reciprocamente. Na Cruz é o próprio Deus que mendiga o amor da sua criatura: Ele tem sede do amor de cada um de nós. O apóstolo Tomé reconheceu Jesus como «Senhor e Deus» quando colocou o dedo na ferida do seu lado. Não surpreende que, entre os santos, muitos tenham encontrado no Coração de Jesus a expressão mais comovedora deste mistério de amor. Poder-se-ia até dizer que a revelação do eros de Deus ao homem é, na realidade, a expressão suprema do seu agape. Na verdade, só o amor no qual se unem o dom gratuito de si e o desejo apaixonado de reciprocidade infunde um enlevo que torna leves os sacrifícios mais pesados. Jesus disse: «E Eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a Mim» (Jo 12, 32). A resposta que o Senhor deseja ardentemente de nós é antes de tudo que acolhamos o seu amor e nos deixemos atrair por Ele. Mas aceitar o seu amor não é suficiente. É preciso corresponder a este amor e comprometer-se depois a transmiti-lo aos outros: Cristo «atrai-me para si» para se unir comigo, para que eu aprenda a amar os irmãos com o seu mesmo amor.

Sangue e água

«Hão-de olhar para Aquele que trespassaram». Olhemos com confiança para o lado trespassado de Jesus, do qual brotam «sangue e água» (Jo 19, 34)! Os Padres da Igreja consideraram estes elementos como símbolos dos sacramentos do Baptismo e da Eucaristia. Com a água do Baptismo, graças à acção do Espírito Santo, abre-se para nós a intimidade do amor trinitário. No caminho quaresmal, recordando o nosso Baptismo, somos exortados a sair de nós próprios e a abrir-nos, num abandono confiante, ao abraço misericordioso do Pai (cf. São João Crisóstomo, Catechesi, 3, 14 ss.). O sangue, símbolo do amor do Bom Pastor, flui em nós especialmente no mistério eucarístico: «A Eucaristia atrai-nos para o acto oblativo de Jesus... somos envolvidos na dinâmica da sua doação» (Enc. Deus caritas est, 13). Vivamos então a Quaresma como um tempo «eucarístico», no qual, acolhendo o amor de Jesus, aprendemos a difundi-lo à nossa volta com todos os gestos e palavras. Contemplar «Aquele que trespassaram» estimular-nos-á desta forma a abrir o coração aos outros reconhecendo as feridas provocadas à dignidade do ser humano; impulsionar-nos-á, sobretudo, a combater qualquer forma de desprezo da vida e de exploração da pessoa e a aliviar os dramas da solidão e do abandono de tantas pessoas. A Quaresma seja para cada cristão uma experiência renovada do amor de Deus que nos foi dado em Cristo, amor que todos os dias devemos, por nossa vez, «dar novamente» ao próximo, sobretudo a quem mais sofre e é necessitado. Só assim poderemos participar plenamente da alegria da Páscoa. Maria, a Mãe do Belo Amor, nos guie neste itinerário quaresmal, caminho de conversão autêntica ao amor de Cristo. Desejo a vós, queridos irmãos e irmãs, um caminho quaresmal proveitoso, enquanto com afecto envio a todos uma especial Bênção Apostólica.



Vaticano, 21 de Novembro de 2006.

BENEDICTUS PP. XVI

15.2.07

Família, comunidade de vida e de amor



«Esta capacidade de amar e de ser amado tem a sua expressão mais plena na união estável de um homem e de uma mulher. A esta decisão chega-se, nesse processo de maturação do amor, quando a pessoa se torna capaz de contrair um compromisso de doação, de entrega e de fidelidade com outra do outro sexo. O matrimónio é o modo particular e específico de realizar essa entrega que o amor esponsal exige. Ao ligar-se um ao outro por um amor fiel, exclusivo e indissolúvel, que os compromete para sempre, os esposos tornam-se “uma só carne” (Gn 2,24). Essa união natural, realizada com e por amor, aperfeiçoa-se e consolida-se dia a dia a partir desse mesmo amor.
A aventura do matrimónio é, além disso, frutificante: a família é “o santuário da vida” (João Paulo II, Carta às Famílias Gratissimam sane, nº 11) e está ao serviço da vida. A comunhão conjugal é uma união dinâmica, que se prolonga na fecundidade. Está ordenada, por meio da procriação, à edificação da comunidade familiar.
Os filhos, como fruto do amor, são, por sua vez, fonte do amor. Eles dão sentido à vida dos cônjuges e tornam-se um dom para os pais. Os filhos “não são um ‘acessório’ no projecto de uma vida conjugal; são, antes, um ‘dom preciosíssimo’ inscrito na própria estrutura da união conjugal” (João Paulo II, Homilia no Jubileu das Famílias, Outubro de 2000, nº 5).»
(Conferência Episcopal Portuguesa, Carta Pastoral A Família, esperança da Igreja e do mundo, Maio 2004, nº 6)

A construção da comunidade de vida e de amor tem o seu início no amor do casal e consolida-se na construção de um projecto de vida a dois. Para o seu desenvolvimento é necessário ultrapassar as dificuldades impostas pela rotina, pela vida profissional de cada um, pelas tarefas domésticas, pelas solicitações da sociedade, etc.
A fecundidade surge como consequência natural do amor vivido nesta comunidade e concretiza-se não só nos filhos mas também no acolhimento e na relação com os outros.
O serviço à vida na família inclui a educação e o acompanhamento do crescimento dos filhos. A transmissão dos valores em que acreditamos e os primeiros passos na descoberta do amor de Deus são elementos fundamentais na construção da comunidade de vida e de amor que procuramos.

Domingos Paulo de Oliveira

14.2.07

Os namorados deveriam ser património municipal

(Gustav Klimt, o beijo)

Viver cada dia como se fosse o primeiro. Olhar as coisas familiares pela primeira vez. Reaprender cada rosto dos que estão próximos. Dizer as palavras que sempre dizemos mas como se primeiro as ouvíssemos. Perceber que a existência, dom de Deus, é mais feita de novidade que de repetição.

Mário Rui de Oliveira

11.2.07

Portugal, finalmente um país moderno...


Portugal
Sim: 59.25%
Não: 40.75%

Braga
Não: 58.80%
Sim: 41.20%

10.2.07

VI Domingo do Tempo Comum

(Carl Heinrich Bloch, o sermão da montanha, 1890, Copenhaga)


Nas Escrituras Santas lemos muitas vezes afirmações que proclamam a felicidade, a bem aventurança reservada ao crente que vive determinadas situações e assume comportamentos precisos. É chamado bem aventurado «quem encontra alegria nos ensinamentos do Senhor e os medita dia e noite» (Sl 1,5); é «feliz quem pensa no pobre» (Sl 41,2; cf. Pr 14,21); é «feliz o povo que tem como Deus o Senhor» (Sl 33,12)… Há no entanto também «maldições», isto é, admoestações, advertências, fortes chamadas de atenção, sobretudo nos livros proféticos: «Ai! dos que constroem a casa sem justiça» (Jer. 22,13); «Ai! do povo pecador» (Is 1,4)…

Também Jesus, em continuidade com os profetas, proclamou algumas bem aventuranças e anunciou algumas chamadas de atenção severas. Na sua pregação que é sempre um convite à conversão, à mudança de mentalidade e de vida, em vista do Reino de Deus que nele se fez muito próximo (cf. Mc 1,15), Jesus pronunciou várias vezes palavras respeitantes à pobreza e à riqueza, à fome e à saciedade, ao choro e ao riso, à hostilidade e ao aplauso coral. Se é verdade que não conhecemos com exactidão qual a forma das bem aventuranças na boca de Jesus, temos porém dois testemunhos fiéis nos evangelhos de Mateus e de Lucas. Temos assim que uma mesma mensagem nos é transmitidas em duas formas: as palavras de abertura do «discurso da montanha» em Mateus (Mt 5,1-12) e as palavras com as quais inicia o discurso numa planura, ou seja, o excerto sobre o qual hoje meditamos.

Porquê duas formas diversas das palavras de Jesus? Porque os evangelistas ao transcreverem estas palavras pensavam na suas comunidades cristãs, nas quais seriam anunciadas. Eis porque Mateus, que conhece a sua Igreja como igreja dos pobres, actualiza as palavras de Jesus proclamando felizes os que são «pobres em espírito» (Mt 5,3), isto é, pobres também no coração; Lucas, pelo contrário, em cuja comunidade há ainda muitos ricos, olha os discípulos pobres e a eles dirige as bem aventuranças: «Felizes vós discípulos que sois pobres; felizes vós que tendes fome; felizes vós que chorais; felizes vós que sois ultrajados pelo mundo. Mas ai de vós que sois ricos e saciados, ai de vós que rides e que todos aplaudem: estai atentos!»

São palavras talhantes como a espada (cf. Heb 4,12; Ap 1,16), dirigidas ao «vós» da assembleia cristã reunida e ouvinte e, como tais, capazes de provocar um salutar discernimento em cada um de nós. Quem se encontra numa condição de pobreza e de pranto sente dirigida a si a promessa de uma mudança radical da sua situação; quem se reconhece rico e farto deve saber com clareza que pende sobre ele uma ameaça, uma advertência amarga hoje que poderá ser uma maldição amanhã! Certamente esta mensagem é escandalosa, está nos antípodas do sentir mundano, do pensamento da maioria; mais, é literalmente incrível, não credível… Se porém colocamos à frente daquela multidão de crentes, daquele «vós», o próprio Jesus, o Pobre, Aquele que chora, o Perseguido, então compreenderemos também a possibilidade das bem aventuranças: aquele que viveu em plenitude as bem aventuranças é Jesus Cristo, e a nós é pedido simplesmente que sigamos a via por ele traçada.

Repensando na vida de Jesus, podemos então perguntar-nos com franqueza: quem é feliz, santo? O rico que dia após dia vê aumentar a sua solidão e o seu amor por si mesmo, ou o pobre que na sua indigência talvez tenha de abrir a mão para implorar uma esmola, mas que naquele gesto exprime a sua necessidade do outro, abrindo, assim, caminhos de partilha e de comunhão? É feliz quem está cheio e não procura nem espera nada, ou quem está sempre à procura de justiça humana e ansiando uma intervenção de Deus? É feliz quem na multidão ri, ou quem chora sabendo ter uma razão pela qual gastar toda a vida a caro preço, até a dar pelos outros, até morrer?

Sim, as bem aventuranças devem ressoar assim como são, sem serem amortecidas ou abafadas. Expondo-nos ao seu anúncio na assembleia dominical, nós devemos perceber nestas palavras a espada que divide os ricos, saciados e pândegos daqueles que são pobres, esfomeados, chorosos. Até nos perguntarmos: e nós onde estamos?

Enzo Bianchi
Prior de Bose

[trad: Mário Rui de Oliveira]

7.2.07

As Bem-Aventuranças do Mundo

Bem-Aventurados os ricos, porque a ciência, a técnica e as leis lhes darão razão.
Bem-Aventurados os agressivos, porque dominarão o mundo.
Bem-Aventurados os que riem, porque serão invejados.
Bem-Aventurados os que estão fartos e não passam fome nem sede, porque serão tidos por justos.
Bem-Aventurados os sem misericórdia, porque não alcançarão a miséria.
Bem-Aventurados os de coração turvo, porque só verão o que lhes convém.
Bem-Aventurados os que constroem armas, porque serão chamados benfeitores da humanidade.
Bem-Aventurados os que perseguem a quem luta pela justiça, porque deles é o reino da terra.

Diferentes os pontos de vista...
Diferentes as intenções...


Bem-Aventurados aqueles que partem o coração, pois deles são as lágrimas mais puras...
Bem-Aventurados os loucos, pois deles é a sabedoria mais genuína…
Bem-Aventurados aqueles que sorriem sob o peso de um coração melancólico, pois deles é a alegria mais amarga…
Bem-Aventurados os que vivem no calor da noite, pois deles é a luz mais verdadeira…
Bem-Aventurados os solitários, pois deles são as noites mais frias…
Bem-Aventurados os sonhadores, pois vivem a vida mais intensa…
Bem-Aventurados os apaixonados, pois deles é o desejo mais ardente…

6.2.07

O Grande Silêncio


O filme documentário de Philippe Gröning mergulha-nos na vida dos monges da Grande Cartuxa. Três horas, quase sem uma palavra, sem música adicional. Uma excepcional experiência espiritual e cinematográfica. Sai em Portugal na próxima Quinta-feira.

A este propósito, socorremo-nos de um texto de Enzo Bianchi que nos pode introduzir na aventura do silêncio.

A tradição espiritual e ascética sempre reconheceu o valor essencial do silêncio para uma autêntica vida de oração. “ A oração tem o silêncio por pai e a solidão por mãe”, disse Jérôme Savonarole. Com efeito, só o silêncio torna possível a escuta, isto é, o acolhimento em si não só da Palavra mas também da presença de Cristo que fala. O silêncio abre deste modo o cristão à experiência da inhabitação de Deus: pois o Deus que procuramos, seguindo na fé Cristo ressuscitado, é o Deus que não é exterior a nós, mas que habita em nós. Jesus diz no quarto Evangelho: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará e nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada” (Jo 14, 23). O silêncio é a linguagem do amor, da profundidade, da presença do outro. De resto, na experiência amorosa, o silêncio é muitas vezes uma linguagem muito mais eloquente, intensa e comunicativa que uma palavra. Infelizmente, nos nossos dias, o silêncio é raro; ele é o que mais falta ao homem moderno, ensurdecido pelos barulhos, bombardeado por mensagens sonoras e visuais, destituído da sua interioridade, como se lha tivessem tirado. E é quando “diminui o prestígio da linguagem que aumenta o do silêncio” (Susan Sontag). A vida espiritual também se ressente desta carência: as liturgias são muitas vezes palavrosas, recheadas de comentários que, querendo tudo explicar, tudo dizer, esquecem que em Deus, há algo de indizível, um silêncio, um mistério que a liturgia deve transparecer. De resto, a procura crescente de vida espiritual autêntica é muitas vezes ignorada pelas Igrejas locais, mais empenhadas em múltiplas actividades de assistência, sociais, caritativas, recreativas, ou, no melhor dos casos, catequéticas. Não será então de espantar que sejam muitos a procurar caminhos de espiritualidade fora do cristianismo.
Temos de reconhecer: temos necessidade do silêncio! Temos necessidade num ponto de vista estritamente antropológico, porque o homem, que é um ser de relação, comunica de um modo equilibrado e significativo somente graças à relação harmoniosa entre palavra e silêncio. Mas temos também necessidade de um ponto de vista espiritual. Para o cristianismo, o silêncio não é só uma dimensão antropológica mas teológica: quando estava só, no monte Horeb, o profeta Elias ouviu em primeiro lugar um furacão impetuoso, depois um terramoto, de seguida um fogo, e por fim, “o murmúrio de uma brisa suave” (1Re 19, 12): logo que Elias ouviu este murmúrio, cobriu o rosto com o seu manto e colocou-se diante de Deus. Deus faz-se presente a Elias no silêncio, um silêncio eloquente. A revelação do Deus bíblico não se faz somente através da palavra, mas também acontece no silêncio. Inácio de Antioquia dirá que Cristo é “a Palavra saída do silêncio”. O Deus que se revela no silêncio e na palavra exige do homem a escuta, e para escutar, o silêncio é essencial. Não se trata simplesmente de se abster de falar, mas de observar o silêncio interior, esta dimensão que nos restitui a nós próprios, e nos situa no plano do ser, face ao essencial. “Há no silêncio um poder maravilhoso de clarificação, de purificação, de concentração sobre o essencial” (Dietrich Bonhoeffer). É do silêncio que pode nascer uma palavra subtil, penetrante, comunicativa, sensata, luminosa, terapêutica, capaz de consolar.
O silêncio é o guarda da interioridade. Mesmo que se trate de um silêncio definido negativamente, como a sobriedade e a disciplina da linguagem, até à abstenção de toda a palavra, ele evolui deste primeiro momento para uma dimensão interior: isto é, cala os pensamentos, as imagens, as rebeliões, as maledicências que nascem no coração. Com efeito, “de dentro, do coração do homem, é que nascem os desejos perversos” (Mc 7, 21). É difícil o silêncio interior, aquele que se joga no coração, lugar de luta espiritual. Mas este silêncio interior, precisamente, gera a caridade, a atenção ao outro, o acolhimento ao outro, a empatia pelo outro. Sim, o silêncio cava na nossa profundidade um espaço para aí fazer habitar o Outro, para aí fazer permanecer a sua Palavra, para enraizar em nós o amor pelo Senhor; ao mesmo tempo, e em ligação com isto, ele dispõe-nos à escuta inteligente, à palavra medida, ao discernimento do coração do outro, ao que arde na sua intimidade e está escondido no silêncio donde nascem as suas palavras. Então o silêncio, este silêncio, suscita em nós a caridade, a amor pelo nosso irmão. Deste modo, o duplo mandamento do amor a Deus e ao próximo é observado por aquele que sabe guardar silêncio. Basílio chega a dizer: “O silencioso torna-se fonte de graça para quem escuta”. Chegados a este ponto, podemos repetir, sem medo de cair na retórica, a afirmação de Edmond Rostand: “O silêncio é o canto mais perfeito, a oração mais elevada”. Quando conduz à escuta de Deus e ao amor ao próximo, à caridade autêntica, isto é, à vida em Cristo (e não ao vazio interior, vago e estéril), então o silêncio é uma oração autenticamente cristã e agradável a Deus. É este silêncio que, depois de ter percorrido uma longa história espiritual, chega até nós; é o silêncio que procuraram e praticaram os hesicastas para obter a unificação do coração; é o silêncio da tradição monástica, que visa ao acolhimento em si da Palavra de Deus; é o silêncio da oração de adoração da presença de Deus; é o silêncio querido pelos místicos de todas as tradições religiosas; e, antes de tudo, é o silêncio onde está esculpida a linguagem poética; é o silêncio que constitui a natureza da música; é o silêncio essencial a todo o acto de comunicação. O Silêncio, acontecimento de profundidade e de unificação, torna o corpo eloquente, levando-nos a habitar o nosso corpo, a habitar a nossa vida interior, guiando-nos a este habitare secum tão precioso à tradição monástica. O corpo habitado pelo silêncio torna-se revelação da pessoa.
O cristianismo contempla Jesus Cristo como a Palavra feita carne, mas também como o Silêncio de Deus: os evangelhos mostram um Jesus que, à medida que avança na paixão, cala-se cada vez mais; entra no silêncio como um cordeiro afónico, como aquele que, conhecendo a verdade, sabendo o indizível fundo da realidade, não pode nem quer trair o inefável pela palavra, mas guarda-o no silêncio. Jesus, que “não abre a boca”, revela que o silêncio é o que é verdadeiramente forte, faz do seu silêncio um acto, uma acção. Precisamente por isso, poderá fazer da sua morte um acto, o gesto de um vivente. A fim de que seja verdadeiramente claro que para além do silêncio e da palavra, o que é verdadeiramente portador de salvação, é o amor que vivifica um e outra. E o que é Cristo crucificado senão o ícone do silêncio, e mesmo do silêncio de Deus? Sobre a cruz, dizem os evangelhos, do meio-dia às três horas da tarde, a hora da morte de Cristo, reinou a obscuridade e o silêncio. Há um silêncio total de palavras sobre Deus e de imagens de Deus, de conceptualizações de Deus e de ideias de Deus: todo o discurso sobre Deus, toda a representação de Deus devem sempre medir-se a este silêncio, porque conhecem a tentação de sempre de reduzir Deus a um ídolo, a um produto manufacturado, a um objecto manipulável. É justamente este silêncio no momento da cruz que consegue dizer o indizível: a imagem de Deus invisível deve ser procurada neste homem pendurado na cruz. O silêncio da cruz é o ensinamento último onde jamais cessaremos de beber toda a palavra teológica.


ENZO BIANCHI, Les mots de la vie intérieur, Cerf, Paris 2001.

Tradução de Luís Marinho

5.2.07

Encontros Arciprestais da Formação do Clero: 6 Fevereiro


Encontro Rotativo para os Arciprestados 06 Fevereiro; 29 Maio; 23 Outubro

Ponto de encontro
Guimarães
(Arciprestados convocados: Celorico de Basto; Cabeceiras de Basto; Fafe; Guimarães e Vizela)
Balasar
(Arciprestados convocados: Barcelos; Esposende; Vila do Conde/Póvoa de Varzim; Famalicão)
Braga
(Arciprestados convocados: Braga, Vila Verde; Póvoa de Lanhoso; Vieira do Minho, Amares; Terras do Bouro)

Tema
1. Formação Humana e Espiritual:
«A dimensão afectiva do sacerdote»: Abade de Oseira
2. Formação Intelectual e Teológica:
O Evangelista do Ano. Uma introdução a Lucas: Doutor António Couto
3. Formação Litúrgica e Pastoral:
«A família»: Dom António Marcelino

Datas
06 de Fevereiro de 2007: Terça Feira
29 de Maio de 2007: Terça Feira
23 de Outubro de 2007: Terça Feira

4.2.07

A vida é débil



Proteger e promover a vida, até à doação da própria vida, é como que o resumo de todo o Evangelho, o Evangelho da vida.
E não se trata apenas de uma vida abstracta, post mortem. A vida eterna germina e nasce na vida mortal, concreta, finita e mesmo dolorosa, até dramática; é aí que ela se defende - ou não!
E a vida - toda a vida, sem excepção - é algo débil, mesmo a dos fortes, que é forte apenas em ilusão.
Muito mais as dos desprotegidos, que nos colocam, sem rodeios, perante essa debilidade fundamental.
A dureza da vida atingirá a sua leveza eterna, na medida em que souber proteger a vida débil que lhe é confiada - como uma dádiva infinita e infinitamente absoluta.

3.2.07

V Domingo do Tempo Comum


V DOMINGO TEMPO COMUM
ANO C
LC 5, 1-11

Enquanto se encontra na Galileia, Jesus ensina junto ao lago de Genesaré. A multidão está admirada com este rabi, tão parecido com um profeta, dotado de uma autoridade tão extraordinária e tão diferente dos escribas (cf. Mc 1,22; Lc 4,32). E assim se forma em seu redor um grande grupo de pessoas ansiosas por ouvi-lo, a ponto de Jesus, para melhor se fazer perceber, recorrer a uma pequena estratégia prática: vendo duas barcas paradas sobre a margem do lago, pede ao proprietário de uma delas, Simão, para se afastar ligeiramente da terra; depois, sentando-se nela, recomeça a ensinar a todos aqueles que se encontravam na margem.

Terminada a pregação, Jesus dirige-se a Simão, iniciando com ele um diálogo que o marcará para sempre. Tudo começa com um repentino pedido de Jesus: «Faz-te ao largo (Duc in altum) e lança as redes para a pesca!» É um pedido que parece insensato porque Simão e os seus companheiros trabalharam toda a noite sem pescar nada e sabem muito bem que em pleno dia pesca-se muito pouco…. E, no entanto, Simão coloca de parte as suas certezas e responde sem hesitar: «Já que o dizes, lançarei as redes».

É uma afirmação extraordinária, que exprime o essencial da fé cristã: uma adesão confiante e profunda a Jesus, uma obediência à sua palavra, fundamento bem mais seguro do que qualquer outro nosso pensamento ou sentimento. «Tendo feito isto, apanharam tão grande quantidade de peixes que as redes começavam a romper-se»; Simão chama, então, em auxílio, Tiago e João, proprietários da outra barca, e as duas embarcações quase se afundam sob o abundante peso da pesca. Ao ver isto Simão «lançou-se aos pés de Jesus e grita: Senhor afasta-te de mim que sou um homem pecador!» É a mesma experiência de Isaías que, diante da santidade de Deus, não pode fazer outra coisa que exclamar: «Pobre de mim, homem impuro que viu o Senhor!» (cf. Is. 6,5). Sim, o autêntico encontro com Deus e com Jesus Cristo —aquele que nos narrou definitivamente Deus (cf. Jo 1,18)— coincide com a revelação ao homem da própria condição de pecador, ou seja, com a descoberta da abissal distância que o separa do Senhor, com a consciência de não ser santo…É a partir da tomada de consciência de tal distância, preenchida pelo amor proveniente do Senhor, que se abre a possibilidade de um novo caminho de conversão e de vida nova; não é por acaso que só agora Simão começa a ser chamado de Pedro, nome que lhe foi dado por Jesus para indicar a sua missão de ser a rocha sobre a qual fundará a comunidade (cf. Lc 6,14).

À vocação segue de imediato uma precisa missão confiada por Jesus a Simão Pedro: «Não temas, daqui em diante serás pescador de homens». Pedro vê transfigurada a própria existência: de pescador de peixes deve tornar-se pescador de pessoas, isto é capaz de conduzir homens e mulheres até ao Senhor. E esta promessa é-lhe dirigida exactamente enquanto ele confessa a própria indignidade, para provar que só graças à adesão ao Senhor ele poderá afastar todo o medo e cumprir aquilo que nunca conseguiria fazer com as suas próprias forças. É certo que Pedro faltará várias vezes à fidelidade ao Senhor, chegando até a negá-lo por três vezes; mas mesmo aí, no pranto, será capaz de se arrepender (cf. Lc 22, 54-62) e —arrependendo-se sempre por vontade do Senhor (cf. Lc 22,32) — voltará a confirmar os seus irmãos.

A narração conclui-se com uma anotação que, na sua brevidade, pode resumir o sentido de uma vida inteira: os três pescadores «conduzindo os barcos para terra, deixaram tudo e seguiram Jesus». Aqueles homens que dizem «sim» a Jesus e o seguem fazem isso a preço de uma escolha que implica claros e nítidos «nãos»: eles devem renunciar ao seu trabalho profissional, abandonar a família e a casa (cf. Lc 18,29). Estas renúncias, porém, têm o sentido de que nunca são vividas com a atitude de escravos forçados a levar um peso esmagador; não, eles podem ser assumidos em profundidade somente por quem aceita livremente nada antepor ao amor de Cristo, de «estar com ele» (cf. Mc 3,14) na certeza que «o seu amor vale mais que a vida» (cf. Sl 63,4). Foi assim com Pedro, Tiago, João e tantos outros no decurso da história; pode ser assim também hoje para cada um de nós.

Enzo Bianchi
Prior de Bose

(tradução de Mário Rui de Oliveira)

2.2.07

Apresentação do Senhor / Senhora das Candeias



«Maria, a Virgem Mãe, a primeira a ser verdadeiramente o Templo Santíssimo de Deus vivo, aquela que é toda pura e toda santa, sem necessidade cumpriu o ritual da purificação, levou o Primogênito de Deus ao templo para realizar o que foi prometido a Simeão". (São Basílio)

A Festa da Purificação e da Apresentação do Senhor no Templo é também conhecida como a "Festa da Candelária", devido à procissão de velas que é realizada neste dia, principalmente na Igreja de Jerusalém e nas de tradição eslava. Este rito das velas tem origem nas palavras de Simeão referindo-se ao Menino, "Luz que brilhará sobre todas as nações, e glória do teu povo, Israel".

São Cirilo de Alexandria exortava que "celebremos o mistério deste dia com lâmpadas flamejantes" . Jesus é a Luz do mundo que ilumina a todos que estão nas trevas. É fonte e principio da luz eterna que faz brilhar no coração de seus filhos a Luz que não se extingue.

A Festa da Apresentação também recebe o nome de "Festa do Encontro" ou "Hypapántê" sublinhando o encontro do velho Simeão com Jesus. É a humanidade que se reconcilia com a Divindade. É as bodas entre Deus e seu povo. Movido pelo Espírito, Simeão veio ao templo onde encontrou José e Maria que conduziam o Menino, cumprindo desta forma, a Lei. Simeão tomou-O em seus braços e bendisse a Deus:

"Agora Senhor, deixa teu servo ir em paz, segundo a tua palavra, porque meus olhos viram a salvação que preparaste ante face de todos os povos, luz que brilhará sobre todas as nações, e glória do teu povo, Israel" . (Lc 2, 29-33)

Uma história para uma noite de calmaria: o mistério

55. O MISTÉRIO

Um caçador que se banhava ao sol, juntamente com os pássaros fechados nas gaiolas que fixara nos pregos da fachada de sua casa, viu um cigano deitar-se na beira da estrada e olhar para dentro de um fosso. Naquela estação não havia água. O cigano levanta-se, sacode o pó, e afasta-se para a caravana, acampada junto à margem do rio, ligeiramente afastada. O caçador decide olhar o que de tão interessante possa haver no fosso. Vê tufos de erva e cobres sujos de lodo seco. No dia seguinte, chegam dois ciganos e também eles repetem os mesmos gestos do primeiro. Durante vinte manhãs, sempre a mesma atenção dos ciganos por aquele ponto do fosso. Primeiro um, depois dois, três, quatro, cinco, até virem todos. O caçador, embora morrendo de curiosidade pelo que estariam a olhar, e ele não podia ver, nunca teve coragem de perguntar nada. Depois, um dia, os ciganos deixaram de parar ali. As mulheres passavam para ir à aldeia, arrastando as saias no pó da estrada, e os homens trituravam grosseiros palitos em suas bocas.

Uma manhã, o caçador, cada vez mais desejoso de descobrir aquele segredo, dirigiu-se atè à vinha, próxima do acampamento das caravanas. Havia um velho que estava a podar. O caçador revelou-lhe tudo o que acontecera e o atormentava. E o camponês disse-lhe: «Não fales com mais ninguém sobre isso: nem comigo, nem com os ciganos. É preciso respeitar o mistério quando se tem a sorte de o encontrar».

Tonino Guerra, Histórias para uma noite de calmaria, ed. Assírio e Alvim, 2004