O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

21.7.07

XVI Domingo do Tempo Comum



Ano C
Lc 10, 38-42

Enquanto Jesus caminha para Jerusalém chega a uma aldeia de Betânia, onde é acolhido por Marta e Maria (cf. Jo 11,1-44; 12,1-11), irmãs de Lázaro, que tantas vezes o hospedavam em sua casa, oferecendo-lhe o conforto da amizade e um lugar de repouso ao «Filho do homem que não tem onde repousar a cabeça» (cf. Lc 9,58).

Marta convida Jesus a entrar e mete-se logo a servi-lo, numa atitude que parece exemplar: prepara a mesa, prepara a refeição, dispõe tudo para fazer festa àquele hóspede que ela reconhece como Mestre e Senhor… Maria, pelo contrário, quase raptada pela presença de Jesus, faz outra coisa: senta-se aos seus pés e escuta com todo o seu ser as palavras de Jesus. Isto é dar atenção ao hóspede que se recebe e escutar aquilo que nos veio dizer. São duas diversas modalidades de acolhimento do Senhor, igualmente atenciosas. Mas eis que o generoso activismo de Marta e o seu «corre daqui para ali» pelos muitos serviços que tem a fazer leva-a a acusar a sua irmã: «Senhor, não te preocupa que minha irmã me tenha deixada só a servir? Diz-lhe que me venha ajudar». Diante de tal pedido Jesus realiza um lúcido discernimento e emite um juízo claro, dando um ensinamento fundamental aos seus discípulos de todos os tempos: «Marta, Marta, tu andas atarefada com muitas coisas, mas uma só é a coisa necessária. Maria escolheu a porção boa (não ‘melhor’), que não lhe será tirada».
Qual é o significado destas palavras? É preciso antes de mais esclarecer que Jesus não está a contrapor ‘vida activa’ e ‘vida contemplativa’, como se rezar fosse ‘melhor’ que servir concretamente os irmãos, mesmo se infelizmente desde a antiguidade se deu às suas palavras esta interpretação redutiva. Por outro lado, Jesus amava a comunhão da mesa e agradava-lhe a solicitude de quem se afadigava para tornar a própria mesa um lugar no qual o comer juntos era sinal de alegria e diálogo fraterno… Hospedar não é apenas «fazer coisas» a quem nos visita, mas também dar-lhe o próprio tempo, fazer de si um espaço para o outro através da escuta.

Eis porque Jesus distingue entre «as muitas coisas» pelas quais Marta se preocupa e a «única coisa necessária», a «boa porção» escolhida por Maria. Marta está aflita, está cheia de preocupações; várias vezes Jesus alertou os seus discípulos para que não caíssem reféns desta «doença» tão subtil quão perigosa: «Não vos preocupeis com o amanhã, mas procurai primeiro o Reino de Deus» (cf. Lc 12, 22-31); «Estai atentos para que os vossos corações não fiquem pesados pelas preocupações» (Lc 21, 34)… Para nós cristãos um deveria ser o desejo essencial, não aqueles muitos desejos com os quais somos tentados de nos afligirmos: a escuta assídua do Senhor, isto é, deixar que Cristo seja o Senhor da nossa vida, que seja ele, com a sua palavra e as suas acções a orientar a nossa existência; ele de quem o Pai proclamou: «Este é o meu Filho, o amado, escutai-O!» (Mc 9,7). Não basta servir, é preciso tornar-se servos e Maria, estando aos pés de Jesus para escutar a sua palavra, é como a serva do Senhor atenta à sua voz.

Não esqueçamos que também hoje na igreja o «fazer serviços» pode tornar-se uma militância que faz barulho, que agita, que julga os outros que se comportam diversamente, que se fecha à escuta até se distanciar para percorrer os próprios caminhos, até perder o estilo evangélico.

Sim, Marta e Maria habitam em nós de modo quase inseparável. Muitas vezes é Marta que prevalece, que se apresenta em primeiro lugar, impelindo-nos a correr ao encontro de Jesus —e aos outros, no qual está presente (cf. Mt 25, 31-46)—, a acolhê-lo até festivamente, mas pondo em primeiro plano o nosso activismo, sem nos metermos realmente ao seu serviço… Maria, pelo contrário, dorme nas nossas profundidades: para a deixar emergir é preciso morrer para o próprio egoísmo e ressurgir na atitude de quem se põe aos pés de Jesus para escutar com um coração uno a sua palavra. Só assim poderemos fazer todas as coisas bem e seremos felizes, segundo a promessa de Jesus: «Felizes aqueles que escutam a palavra de Deus e a põem em prática» (Lc 11, 28). Não esqueçamos, portanto, o convite do Senhor: «Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele e ele comigo» (Ap 3,20).

Enzo Bianchi
Prior de Bose
Trad: mro