O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

9.9.06

Simpósio do Clero em Fátima: comunicado final


V SIMPÓSIO DO CLERO DE PORTUGAL Comunicado Final

Reuniu em Fátima de 05 a 08 de Setembro de 2006 o V Simpósio do Clero de Portugal, com a presença do Senhor Núncio Apostólico, D. Alfio Rapisarda, do Presidente da Conferência Episcopal, D. Jorge Ortiga e de 30 Bispos. Prosseguindo um itinerário de encontro, de comunhão e de formação de longo prazo que se iniciou em 1993, a Conferência Episcopal através da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios organizou este Simpósio no qual participaram 417 sacerdotes, provenientes de todas as Dioceses de Portugal e de muitos Institutos Religiosos. Foram conferencistas D. Rino Fisichella, Bispo Auxiliar de Roma, Enzo Bianchi, Prior da Comunidade Monástica de Bose, Doutor João Duque, Professor da UCP-Braga e D. Manuel Madureira Dias, Bispo Emérito do Algarve e a participação de muitos outros intervenientes nos diversos painéis.
O Simpósio foi vivido num clima de alegria, de partilha, de participação e oração, e teve como tema central o Presbitério em comunhão ao serviço da comunhão eclesial.
A comunhão é uma das correntes mais fecundas da actual reflexão da Igreja com evidentes repercussões no ministério presbiteral, na sua acção e esforço e é simultaneamente assumida numa perspectiva de resposta serena e positiva às tendências pós-modernas do individualismo, do isolamento e do egoísmo e, aos perigos permanentes do desânimo, da ansiedade e da solidão.
Com a frontalidade de quem não foge às questões difíceis e não esconde a possibilidade de fazer mais e melhor, este V Simpósio deixa na memória de todos a relação fraterna que aqui se experimentou. E, o estímulo que brota deste encontro no sentido de partilhar as nossas convicções e assegurar os nossos compromissos de Bispos e Presbíteros na construção desta comunhão fraterna, assim como a intensidade da oração aqui vivida e a beleza do momento cultural que nos facultou a Banda da Armada, inspiram e incentivam um clima de unidade e de fraternidade no Clero de Portugal. Aqui se sentiu em múltiplas situações, celebrações e actividades a beleza e a alegria da vida dos presbíteros, o privilégio da sua fidelidade, a graça e a bênção dos que dão a vida pelo Reino mas recebem já cem vezes mais, segundo os critérios e os paradigmas do Evangelho. Em síntese, pode afirmar-se que os presbíteros são homens dados ao povo de Deus para viver a comunhão e construir em Igreja a comunidade.

1. Desafios ao sacerdote e à Igreja no contexto das transformações culturais
A interpretação da nova situação religiosa e cultural em que o sacerdote é chamado a realizar o seu ministério e vocação, caracterizada pelo individualismo pós moderno de um homem dilacerado pela ruptura entre a cultura e a fé e confundido pela mudança de alguns paradigmas de pensamento, desafiou os presentes a viver o contraponto da comunhão, anunciando aos filhos da modernidade a referência central da verdade do homem, Jesus Cristo.
Destacou-se a necessidade de redefinir e reafirmar uma identidade presbiteral eucarística, aquela que resulta da intimidade com Jesus Cristo e da solidariedade com os irmãos.
Foi solicitada uma maior visibilidade pública do presbítero no meio do mundo, onde leve a cabo a missão da profecia e da simpatia por esse mundo.
Urge, ainda, rever a própria pregação para que esta seja significativa e verdadeira proposta de sentido.
Ressaltou-se, também, que muitas das solicitações pastorais dirigidas aos presbíteros resultam da inoperância de muitos intervenientes ou agentes eclesiais com os quais o presbítero deve construir a comunhão eclesial e a corresponsabilidade pastoral.

2. Da Trindade à comunhão e à corresponsabilidade
Reflectiu-se de seguida mais directamente sobre a missão do padre, servidor da comunhão numa comunidade também ela responsável e participativa.
A comunhão eclesial de que o sacerdote participa é construída na relação a partir de Deus, Uno e Trino. Neste quadro foram evocados alguns pólos de relação do presbítero. O conceito de sinodalidade permitiu pensar a Igreja como caminho conjunto onde todos são um só corpo em Cristo. Bispos e Presbíteros reconheceram-se numa comum missão de sinodalidade e de construção de um caminho conjunto. A vida em comunhão comporta sacrifícios, exigência, generosidade, doação, dedicação e paciência. Para os presbíteros convocados e enviados a viver novas formas de comunhão, o empenho passa por viver o amor antes do conhecimento, amar o outro antes de o conhecer. Esta é a forma radical de comunhão com o outro que para mim é um dom de Deus. Neste contexto foi proposta a constituição de unidades operativas de várias paróquias como formas diversificadas e plurais de superar o individualismo moderno e a tendência isolacionista de alguns sacerdotes, mas também de superar a estreiteza da autarquia paroquial ou presbiteral.
A realidade dos Conselhos Pastorais e Presbiterais pensados como organismos de comunhão e mediadores de corresponsabilidade serão alguns dos muitos espaços de realização e de verificação da própria comunhão eclesial. Estas instâncias devem ser compreendidas não como meros órgãos consultivos mas como verdadeiros e privilegiados espaços de concertação, de corresponsabilidade e de comunhão.

3. Caminhos de comunhão eclesial e futuro do cristianismo
Finalmente, foi aberta a linha de reflexão sobre o Presbítero como homem dado enquanto inserido no caminho do Povo de Deus.
Num clima de aprofundada reflexão e de grande amplitude de horizontes, a comunidade foi pensada como lugar de unidade, de diversidade e de pluralidade a partir do conceito de “tri-unidade” para significar esta realidade de um Deus que não é estranho à nossa visão do mundo e da história. Pensar o mistério da “tri-unidade” possibilita conhecer Deus e o homem. Assumindo assim este conceito de mistério na sua raiz bíblica de desvelamento e de abertura de sentido e de revelação iniciada, a nossa profissão de fé cristã assenta num Deus que fala e que ama. Esta certeza constitui uma marca radicalmente diferenciadora face às outras tradições religiosas.
Neste contexto, o lugar do Espírito Santo assume uma importância primordial na teologia cristã e na espiritualidade eclesial.
A problemática da alteridade foi bastante desenvolvida ao longo destes dias e forneceu contexto teológico e espiritual a partir do qual é possível implementar a vida de comunhão.
Este Simpósio alertou ainda para o lugar eclesial do outro enquanto dom e possibilidade de participação no mistério “tri-unitário” do nosso Deus. Pretendeu-se deste modo superar o monolitismo eclésiológico, a uniformidade das decisões apenas justificadas pelo poder e algum tom autoritário porventura ainda subjacente no nosso tempo, nas nossas relações interpessoais.
Recorreu-se finalmente aos dados da antropologia para mostrar o húmus humano da recepção da identidade na alteridade: o rosto e o nome são conhecidos pelo outro e é através dessa dimensão que nós acedemos à identidade de nós mesmos. Estando esta alteridade na base da matriz cristã, aquela foi considerada como fundamental para ajudar a transmitir a fé às novas gerações nesta época de ruptura da memória. A exequibilidade do Evangelho e do projecto do Reino de Jesus será a proposta que dará consistência cultural, crédito e eficácia ao anúncio, à transmissão e ao acolhimento da fé perante um dos riscos do nosso tempo que é a indiferença. O amor obriga hoje a colocar este anúncio da fé não no espaço nem dos ritos nem dos dogmas mas na pura gratuidade do dom. O cristianismo não pode ser diluído na ética, não pode regredir para o restauracionismo nem deixar-se instrumentalizar pelo poder.
Olhando Cristo que dá a Vida, “que nos amou e Se entregou por nós como oferta”, e aprendendo com Ele como Bom Pastor, o presbítero é um homem dado ao povo, porque é um homem totalmente entregue a Deus por amor do povo.
O presbítero é um homem único e imprescindível no interior da humanidade, consagrado pela ordenação para servir e dar a vida por amor a favor do povo de Deus e de todo o mundo. Este serviço que é ministério sacerdotal que nos santifica e santifica aqueles a quem servimos, que nos faz felizes e constrói as bem-aventuranças do Reino deve ser realizado como testemunho de amor, de alegria e de paz.
Neste dia em que a Igreja celebra a Natividade de Nossa Senhora e neste Santuário a ela dedicado, colocamos no coração da Mãe a gratidão pelo dom deste Simpósio e confiamos-Lhe a vida e o ministério do Clero de Portugal que mais uma vez aqui se comprometeu a percorrer caminhos de comunhão presbiteral ao serviço da comunhão eclesial.

Fátima, 08 de Setembro de 2006, Festa da Natividade de Nossa Senhora

Simpósio do Clero em Fátima: memória do percurso


7 de Setembro: 3º dia de Simpósio

No terceiro dia pensou-se a comunidade como lugar de unidade, de diversidade e de pluralidade a partir da diferença no próprio Deus. Enzo Bianchi adoptou o conceito de “triunidade” para significar esta realidade de um Deus que não é estranho à nossa visão do mundo, do homem e da história. Pensar este mistério triuno possibilita conhecer não só Deus quanto o humano. O conceito de mistério foi assumido na sua raiz bíblica de desvelamento, de algo que não é enigma mas abertura de sentido e de revelação iniciada sem esgotar a realidade cujo sentido entreabre.
Foi salientada a característica específica da revelação divina na fé cristã cuja profissão assenta num Deus que fala e que ama, o que constitui uma marca radicalmente diferenciadora face às restantes tradições religiosas. A razão anselmiana foi apresentada e pensada além da motivação soteriológica de um Deus que encarna para salvar e além da graça divinizante oriental de um Deus que encarna para fazer o homem divino participante da pluralidade triunitária. Assim, a encarnação dá início a uma história, introduz num processo de diferenciação. O Deus em Si mesmo diferente torna-nos diferentes. Neste contexto foi reflectido o elemento do “terceiro” como aquele que perfaz a unidade e a diferença para além da reciprocidade fechada entre um “eu” e um “tu” tão a gosto da mentalidade romântica contemporânea. Este elemento é importante porque comporta consequências a nível social e político. A deriva orientalizante na busca contemporânea das espiritualidades orientais resulta precisamente da ausência deste terceiro como o elemento diferenciador. Aqui assume lugar primacial o lugar do Espírito Santo na teologia cristã e na espiritualidade eclesial como espaços de vivência do Diferente, por isso mesmo espaços de abertura ao Diferente e à diferença. Ao nível eclesial, o Diferente traduz-se na recepção do outro. A problemática da alteridade foi bastante desenvolvida ao longo destes dias, e ressoa como o pano de fundo teológico e espiritual que aparece como desejo de implementação. Este simpósio alertou para o lugar eclesial do outro enquanto dom e possibilidade de participação no mistério triunitário do nosso Deus plural. Pretendeu-se deste modo superar o monolitismo eclesiológico, a uniformidade ou algum tom ditatorial. A Diferença triunitária instaura o diferente humano como o lugar da comunhão, o mesmo é dizer, o humano como o lugar da comunhão. Neste sentido, a comunhão eclesial ultrapassa atitudes defensivas de receio ou condenações fechadas ao diferente. Estes foram sentidos como os riscos permanentes da comunhão eclesial e das nossas relações, pois muitas vezes receamos o diferente, dele nos afastamos ou recusamos, pois não é percebida a natureza matricial da comunidade eclesial enquanto é constituída na pluralidade mesma. A diversidade na Igreja e entre as comunidades eclesiais é constitutiva da mesma.
Foi aqui colocada a questão nodal a partir da tradição joanina: se os cristãos se distinguem por serem aqueles que crêem no amor, o que dizer de nós? A pergunta foi atirada directamente à assembleia. Foi distinguido o amor abstracto do exercício concreto dos amantes. A temática do amor acabou por servir para redizer a comunhão eclesial. Recorreu-se igualmente aos dados da antropologia (como deve ser com qualquer discurso minimamente consistente) para mostrar o húmus humano da recepção da identidade na alteridade: o rosto e o nome são conhecidos pelo outro e por esse outro a eles acedemos, e por aí à identidade de nós mesmos. A analogia do primeiro dia foi aqui recuperada na medida em que somos no rosto e no nome modelados à imagem da triunidade de Deus.
Estando esta alteridade na base da matriz cristã, foi considerada como fundamental para ajudar a transmitir a fé cristã às novas gerações nesta época de ruptura da memória. Elencaram-se alguns sinais dessa crise: redução das ordenações e das vocações religiosas, redução da Igreja a um movimento, disparidade entre o evangelho e a vida, esquecimento que a fé cristã proporciona uma sabedoria concreta de vida. É este amor sapiencial que permitirá fazer do cristianismo uma proposta de vida autêntica. A exequibilidade do evangelho e do projecto do reino de Jesus será a proposta que dará consistência cultural e crédito ao anúncio da Igreja perante o grande risco do nosso tempo – o da indiferença (esse inquilino estranho na Europa em que Deus parece que deixou de ser necessário). O amor obriga hoje a colocá-Lo não no espaço dos ritos nem dos dogmas mas da pura gratuidade. O cristianismo não pode ser diluído numa ética, não pode regredir para o restauracionismo nem deixar-se instrumentalizar pelo poder. O amor contra a morte e mais forte do que ela narrará a ressurreição do Senhor, a gratuidade de Deus, a possibilidade de continuar a fazer ressurgir a vida amando até ao fim. O cristianismo tornar-se-á assim o testemunho e o anúncio sedutor de uma maneira diferente de ser homem. Algumas experiências concretas de caminhos diferentes que amam e constroem a comunhão eclesial foram apresentados como experiências concretas dessa comunhão enriquecedora na diferença, e mostraram como afinal é possível viver a comunhão.

Fátima 07-09-2006
José Carlos Carvalho (jcarvalho@porto.ucp.pt)

Simpósio do Clero em Fátima: memória do percurso


Dia 6 de Setembro: 2º dia de Simpósio


O segundo dia considerou a pertinência antropológica da confissão do Deus uno e trino, o mesmo é dizer, se tem algum conteúdo esta confissão e como será possível reconstruir esse conteúdo. Para tal foi mostrado como é imprescindível ultrapassar quer o formalismo kantiano (que justifica apenas com base no dever) quer o contextualismo relativista cultural (que justifica conforme as circunstâncias) para poder dar um conteúdo à confissão da fé no Deus triuno e só assim adquirir relevância pragmática essa mesma confissão, pois é isto precisamente o que pretende oferecer o cristianismo enquanto proposta de sentido e de significabilidade para a vida concreta do sujeito histórico. Com isto pretendeu mostrar-se como o conteúdo da nossa acção contém uma relação analógica à Trindade, pois só assim a própria confissão trinitária assume um significado fundamental de relação analógica com o nosso esforço de construção da comunhão. Ora, se a compreensão analógica da realidade ensina que a verdade só o é ela mesma por relação a outra realidade, isto significa que o acesso à verdade da comunhão trinitária poder ser mostrado como não sendo nem uma quimera nem auto-construído pela imaginação efabulante do sujeito crente, mas antes é uma verdade analogicamente confessada porque percebida e recebida. Esta recepção é uma alternativa credível a um processo unívoco e/ou equívoco instaurando uma analogia dialógica entre o Criador e a criatura. Por aí, a analogia trinitária permite participar na comunhão trinitária, permite conhecer Deus como uno e trino, isto é, como comunhão.
Esta participação acompanha a realidade da comunhão eclesial. O conceito de mistério resulta aqui como apropriado na medida em que posso conhecer algo desse mistério. Só assim posso afirmar a Igreja como sacramento do mistério de Deus. É necessário conhecer algo desse mistério para poder mostrá-lo. Então a Igreja só é mistério de comunhão trinitária se eu puder conhecer algo desse mistério comunional, se for possível dar-lhe algum conteúdo. A possibilidade reside na própria possibilidade da relacionalidade como conceito credível para a teologia trinitária, pois ela define o ser de Deus enquanto amor de relação. Esta relação pressupõe, como qualquer relação, a diferença. Aplicada à Trindade implica uma relação de actividade e outra de passividade, a primeira enquanto doação fundamental de ser e a segunda enquanto recepção desse mesmo ser. Deus é recepção e doação. O seu ser é definido a partir da relação a Alguém no seu próprio ser, o Filho. Foi salientada a importância desta concepção para a própria definição da Igreja como sacramento e sinal de comunhão onde é experimentada a comunhão eclesial também na sua modalidade presbiteral. O ser é ser a partir de alguém e ser para alguém. Isto constitui a essência do próprio Deus triuno, e de ambos movimentos brota analogicamente a identidade da criatura. Esta existência configura-se assim no respectivo momento kenótico. É possível deste modo fugir a dois perigos: a tentação da gnose eclesial dos grupos que se fechem em si mesmos porque pensam que são perfeitos e conhecem perfeitamente o mistério, e o perigo de uma visão exteriorizada da Igreja apenas como enviada ao mundo. O primeiro perigo consiste na sectarização e no individualismo (riscos permanentes das comunidades eclesiais) daqueles que se consideram os salvos ou os eleitos. O segundo perigo conduz ao activismo ou à perda da identidade na desfiguração de uma mundanização da Igreja na qual ela perde o seu centro e deixa de viver a partir do seu centro para passar a viver a partir apenas do mundo (ab extra). A Igreja perderia assim o seu sentido se perdesse o objectivo que é construir a comunhão. Mas é um facto, como foi notado, que a Igreja não se pode fechar sobre si mesma. À imagem da Trindade ela procede de uma missão em relação ao Outro e aos outros, o que indica como a comunhão eclesial é uma diálogo não só na origem mas também de destino, a partir do Outro e para o Outro, em relação aos outros e para os outros. A comunhão eclesial de que o presbítero participa é construída na relação a partir de Deus (ab intra) e na relação a partir do Filho (ab extra) tornando-a numa relação ex-cêntrica (a partir do centro) e para o centro. Foi salientado como esta relação de ex-centricidade se constitui como uma relação diferenciadora que supera a lógica da uniformização segundo a lógica do poder ou da indiferença segundo a lógica da anarquia. Foram aqui evocados os perigos do puritanismo e do sectarismo quando não é respeitada esta relação diferenciadora que está na medula da própria comunhão eclesial. No entanto, no outro pólo, não foi esquecida a própria natureza teândrica da Igreja enquanto esta não exime destes riscos, pois ela está construída na dramaticidade do tempo e nas perturbações dos limites da humana condição, o que condiciona naturalmente a participação na comunhão trinitária. De facto, não se pode deixar de ter presente o carácter ambíguo do mundo que constitui a própria Igreja, o que a diferencia da própria relação analógica da Trindade.
Neste quadro, foram apenas evocados alguns pólos de relação do presbítero: uma relação filial ao bispo através de uma história de tradição que o liga a uma relação de origem e de destino, relação à comunidade eclesial numa missão de paternidade ou de maternidade, relação polarizada no seio das pessoas ou dos grupos da própria comunidade, relação vivida nas próprias comunidades representadas no presbítero, relação a toda a comunidade humana, e relação com a Igreja de Roma e o respectivo Bispo e nela com a Igreja universal.
Estes pólos e esta analogia constituem o ponto de partida com que Enzo Bianchi reflectiu o ser presbiteral como comunhão em si mesmo. Adoptou os conceitos de fraternidade e de sinodalidade para ultrapassar os perigos da colegialidade enquanto perigo de corporativismo. O conceito de sinodalidade permite pensar a Igreja como caminho conjunto em que todos são um só corpo em Cristo. Este conceito ajuda a pensar o presbítero como não dependente do bispo, pois ambos possuem a mesma missão. Foi pedida aos bispos uma maior audição dos presbíteros decorrente desta comum missão de sinodalidade, de construção de um caminho conjunto. Recordou-se neste contexto que o governo da Igreja não se pode sobrepor à vida comungada com os presbíteros, pois estes devem ser a primeira preocupação para os bispos. Foi também avisado como a vida em comunhão não é nem romântica nem idílica (como por vezes o discurso parece fazer crer), mas comporta sacrifícios, fatiga, dedicação e paciência. Este esforço passa por viver uma nota peculiar do cristianismo – viver o amor antes do conhecimento – amar o outro antes de o conhecer como forma radical de comunhão com o outro que para mim é um dom de Deus. Os presbíteros poderão então construir novas formas de vida em comum, em comunhão, em comum união. Mas Enzo Bianchi, ainda que tenha pedido que estas formas não sejam monacalizadas, não deixa de pensar nesse modelo que ele próprio vive. Assim, propôs a constituição de unidades operativas de várias paróquias, também chamadas unidades pastorais, o que ajudará a superar o individualismo moderno, a autarquia paroquial ou presbiteral bem como o medo destas novas realidades, onde será possível respeitar a própria humanidade dos presbíteros.
A realização prática destes objectivos avaliou a realidade dos conselhos paroquiais e dos conselhos presbiterais. Foi notada a desilusão perante a situação presente dos mesmos, mas não deixaram de ser pensados na respectiva origem como organismos de comunhão e de corresponsabilidade, e não como sindicatos, montras, adereços, ou espaços para fazer funcionar ou obter uma maioria. São espaços de teste da própria comunhão eclesial. Foram apresentados casos particulares. Por eles foi salientada a necessidade da paciência, da boa preparação dos mesmos, da exigência de serem espaços intelectualmente habitáveis e eticamente responsáveis onde é possível a contínua negociação e onde a comunidade cristã é construída. Por isso, não são meros órgãos consultivos. São espaço privilegiado de concertação que não deve tanto fazer mas pensar a consciência crítica e o modelo morfológico da comunidade.

Fátima 06-09-2006
José Carlos Carvalho (jcarvalho@porto.ucp.pt)

Simpósio do Clero em Fátima: memória do percurso


Dia 5 de Setembro: 1º Dia do Simpósio

O primeiro dia foi dedicado sobretudo ao diagnóstico actual do contexto de actividade em que os presbíteros são chamados a realizar o seu ministério e vocação.
Uma das temáticas que provocou a organização deste encontro foi a do individualismo pós moderno reinante onde o sacerdote é desafiado a viver o contra ponto da comunhão. Neste cenário foi destacada a necessidade de conhecimento da cultura actual e dos avanços teológicos de forma a chegar ao interlocutor. Isto resulta do problema levantado pela chamada questão da linguagem na necessidade de atingir o interlocutor culturalmente dilacerado pela ruptura entre a cultura e a fé, se bem que esta constitua por si uma oportunidade para a própria fé. O nosso tempo está marcado pela mudança de alguns paradigmas de pensamento. Isto obriga a descodificar alguns conceitos e a recodificar novas linguagens que se tornam emergentes para chegarem a ser significativas e verdadeiras propostas de sentido. Tal é imprescindível em tempos de diasporização da fé e do cristianismo, processo este que acarreta por sua vez um processo inexorável de desumanização.
A questão nodal então consiste neste contexto em saber como se insere nesta cultura o anúncio que a Igreja faz. Esta questão assume uma pertinência cultural na medida em que somos filhos da modernidade da subjectividade sobretudo a partir de Kant, na qual o sujeito passou a determinar a referência central do conhecimento veritativo. A somar a isto, existe o fenómeno contemporâneo da secularização, horizonte em que o homem moderno surge enfraquecido nas suas convicções religiosas naturais criando-se um hiato entre Deus e o homem. Este hiato provocou a deriva de uma concepção completamente profana do mundo em que a experiência da liberdade se torna ainda mais ambígua e é mais sentido o eclipse de Deus. Perante esta erosão, relativizou-se o valor da vida e o sentido escatológico da mesma. Foram trazidos à colação consequentemente a nova semântica imanente dos conceitos de natureza e de homem. O outro pólo do triângulo em que se articula o pensamento necessariamente obriga a reflectir na própria imagem de Deus que as novas gerações estão a construir, sobretudo a imagem irénica de um Deus impessoal ou difuso. Foi salientada a técnica como a nova imagem tétrica de Medusa que mata os seus próprios filhos pois ela pretende no nosso tempo afastar a questão do limite. Este tabu produz a fragmentação do mistério da vida na ilusão de oferecer respostas ditas científicas ou técnicas para tudo. Foi salientado aqui como a vida para o homem pós moderno corre o risco de perder o seu mistério. Então, a subjectividade da modernidade traduz-se na substituição da razão pela emotividade como forma de compensação. Ora, o presbítero é hoje protagonista desta mudança epocal. Ao ser salientado como sofre também a influência deste ambiente, foi destacada a necessidade de redefinir (ou reafirmar) a respectiva identidade presbiteral eucarística na fidelidade crística da sua vocação única e unitiva imersa na encarnação do Filho. Isto ajudará à tarefa missionária de provocar hoje a tão esquecida (mas tão desejada) questão da transcendência nos nossos contemporâneos abertos ao mistério, a essa transcendência. Foi realçado como a identidade sacerdotal resulta da intimidade com Deus e da solidariedade aos irmãos, configurando-o como sinal indelével da misericórdia do perdão do Pai, sinal tão visível e desejado pelo nosso mundo, afinal, sinal esse outro do mistério.
Para ajudar a viver essa identidade, foi solicitada uma nova evangelização diante da globalização avassaladora onde se torna necessário aprender a trabalhar em rede, em comunhão inter presbiteral, aproveitando sinergias já constituídas. Isto ajudará a realizar outra tarefa muito importante em tempos de privatização da fé, a saber, a necessidade de uma maior visibilidade pública da presença dos presbíteros no meio do mundo onde levam a cabo a missão da profecia e da simpatia com esse mundo. Este encontro com o mundo incita à revisão também da própria pregação (acossada hoje por muitos outros comunicadores muito bem preparados) e ao inconformismo joanino com alguma cultura. Foi destacado como a própria vivência da comunhão dos presbíteros entre si será um meio para realizar esta missão. Mas ficou patente também como os pedidos que são dirigidos aos presbíteros resultam da inoperância de muitos intervenientes ou actores eclesiais com os quais os presbíteros constroem a comunhão eclesial, intervenientes esses que por vezes desconhecem o que já se vai fazendo ou têm de ser substituídos por demissão sua dessas tarefas.

Fátima 05-09-2006
José Carlos Carvalho (jcarvalho@porto.ucp.pt)

3.9.06

2.500 visitas na preparação do Simpósio do Clero

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Número de visitas por dias da semana

Dia da Semana
Visitantes % Total
Domingo 240 9.49 %
Segunda 403 15.94 %
Terça 304 12.03 %
Quarta 385 15.23 %
Quinta 407 16.10 %
Sexta 398 15.74 %
Sábado 391 15.47 %

Fim da preparação para o Simpósio do Clero em Fátima



Com este texto do Senhor Arcebispo Primaz de Braga chegamos ao fim da caminhada de preparação para o Simpósio do Clero que decorrerá em Fátima na Sala Paulo VI de 5 a 8 de Setembro. A todos os colaboradores deste projecto o nosso muito obrigado pela disponibilidade e generosa contribuição. O blogue bompastor continuará a sua missão dentro do plano da Formação do Clero da Arquidiocese de Braga ainda que brevemente com nova programação e novos colaboradores. Esperemos que esta nova ágora possa continuar a facilitar caminhos para a nova evangelização e a dedicação feliz ao ministério sacerdotal.

A direcção

Simpósio do Clero em Fátima: «padres para quê?»



Padres para quê?

Há interrogações que podem ter diferentes interpretações conforme a pessoa que as formula. Temos aqui um exemplo característico.
Para os indiferentes ou não crentes a resposta torna-se evidente no sentido de inutilidade ou não razão de existência. Reconhece-se um determinado estatuto e imediatamente, talvez dum modo inconsciente, é-lhe atribuído um epíteto de algo ultrapassado que poderá ter tido importância mas que hoje deve ser marginalizado, desconsiderado ou «destruído».
Para os cristãos a pergunta evidencia vontade de conhecer os conteúdos da vocação sacerdotal para lhe dar a importância que merecem na Igreja e, talvez, na sociedade.
Quero colocar o leitor nesta categoria de pessoa e gostaria de responder com duas afirmações:
1 – O Padre é imprescindível uma vez que a salvação oferecida por Cristo será sempre por mediadores escolhidos pelo próprio Deus. Trata-se duma vocação – dom de Deus --, e, como tal, terá de ser interpretada. A esta vocação, a garantir uma permanente actualidade, está a alegria de serem humanos a mostrarem a validade deste dom como algo muito concreto que Deus quer continuar a oferecer à humanidade. O dom acolhe-se e não se questiona. Nem sempre se compreende o que encerra. Só lentamente, num projecto de caminho, se verifica a maravilha e beleza de ter sido escolhido.
2 – Inquestionável a razão de ser, é imperioso caminhar na fidelidade aos compromissos assumidos para que o padre reconheça a validade da sua vida e o manifeste a quantos com ele realizam a experiência de fé neste Deus amor. Daí que, em primeiro lugar, a verdadeira razão da vida do sacerdote está no modo como ele encara a sua identidade e missão. Só alegria de acolher o dom para o oferecer, torna a vida sacerdotal uma permanente resposta para o próprio e uma vontade de acolher a sua missão em favor daqueles a quem, em nome de Cristo, se entrega. Dito duma maneira mais simples e mais eloquente. Só o sacerdote é capaz de «mostrar» para que vive. Mais ninguém consegue afirmar para que serve o padre numa sociedade indiferente e materialista.
3 – Destas duas afirmações ouso extrair duas interpelações de extrema urgência e constante responsabilidade.
3.1 – Ser sinal duma intimidade com o transcendente. Assim como um sinaleiro aponta caminhos quando os conhece, o sacerdote sublinha a perenidade do Amor de Deus quando manifesta competência nesta arte de caminhar apontando, talvez no silêncio, um percurso para esta resposta à intranquilidade do mundo moderno. Sem vaidade ou orgulho, temos o que falta a quem peregrina connosco. Na saciedade dos discursos, vale o testemunho duma vida alicerçada em Deus e que O manifesta em tudo quanto faz.
3.2 – Perito na divindade, experimenta-a como comunhão e acredita que o mundo se salva na unidade. Daí que a sua vida, podendo ser meramente contemplativa, é para edificar uma comunidade onde a igualdade de filhos de Deus progride na diversidade de funções. Ele é animador duma comunidade destruindo as indiferenças ou inimizades e unindo os corações da família de Deus a quem compete a missão, não do senhorio do mundo, mas do serviço numa articulação de carismas. Anima a comunidade quando serve e serve quando suscita responsabilidades na promoção e formação duma Igreja Povo de Deus.
Padre para quê? Manifestar Deus na vida e na palavra e edificar a Igreja como comunidade de responsáveis. Reconheço que, nesta síntese, pode estar um discurso enigmático. Acredito, porém, que o sacerdote terá de descodificar a mensagem que a sua vida encerra. No meio da humanidade, homem entre os homens, indica que há alternativas de felicidade permanente e sabe que o caminho da Cruz – abraçada nas dores pessoais e nos dramas dos seus contemporâneos – termina, permanentemente, na felicidade duma Ressurreição como vida autêntica e verdadeira.
Se alguns não compreenderão, muitos questionar-se-ão e sentirão de disponibilizar-se para esta aventura de entrega à humanidade fazendo com que se encontre e adira ao projecto de Cristo.

Arcebispo Primaz de Braga
+Jorge Ferreira da Costa Ortiga

1.9.06

A pintura como meio de esquecer a vida: Georges Rouault




O Expressionismo

No norte da Europa, a celebração fauvista da cor foi levada a novas profundidades emocionais e psicológicas. A partir de 1905, o expressionismo desenvolveu-se quase simultaneamente em países diversos. O alemão, em especial, caracterizado por cores intensas e simbólicas e imagens exageradas, tendia a abordar os aspectos mais sombrios e sinistros da alma humana.

Embora o expressionismo tenha adquirido caráter nitidamente alemão, o francês Georges Rouault (1871 – 1958) foi quem uniu os efeitos decorativos do fauvismo à cor simbólica do expressionismo germânico. Rouault foi colega de Matisse na academia de Moreau e expôs com os fauvistas, mas sua paleta e sua temática profunda o colocam como um dos primeiros expressionistas, ainda que isolado. A obra de Rouault tem sido descrita como “o fauvismo de óculos escuros”.

Rouault era muitíssimo devoto, e alguns o consideram o maior artista religioso do século XX. Começou como aprendiz de vitralista, e o amor a contornos severos que contenham cores radiantes dão vigor e enternecimento a suas pinturas de prostitutas e palhaços. Ele não julga essas desventuradas figuras, mas a extrema piedade com que as mostra causa poderosa impressão; assim, Prostituta no espelho é um libelo feroz contra a crueldade humana.