O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

2.2.07

Uma história para uma noite de calmaria: o mistério

55. O MISTÉRIO

Um caçador que se banhava ao sol, juntamente com os pássaros fechados nas gaiolas que fixara nos pregos da fachada de sua casa, viu um cigano deitar-se na beira da estrada e olhar para dentro de um fosso. Naquela estação não havia água. O cigano levanta-se, sacode o pó, e afasta-se para a caravana, acampada junto à margem do rio, ligeiramente afastada. O caçador decide olhar o que de tão interessante possa haver no fosso. Vê tufos de erva e cobres sujos de lodo seco. No dia seguinte, chegam dois ciganos e também eles repetem os mesmos gestos do primeiro. Durante vinte manhãs, sempre a mesma atenção dos ciganos por aquele ponto do fosso. Primeiro um, depois dois, três, quatro, cinco, até virem todos. O caçador, embora morrendo de curiosidade pelo que estariam a olhar, e ele não podia ver, nunca teve coragem de perguntar nada. Depois, um dia, os ciganos deixaram de parar ali. As mulheres passavam para ir à aldeia, arrastando as saias no pó da estrada, e os homens trituravam grosseiros palitos em suas bocas.

Uma manhã, o caçador, cada vez mais desejoso de descobrir aquele segredo, dirigiu-se atè à vinha, próxima do acampamento das caravanas. Havia um velho que estava a podar. O caçador revelou-lhe tudo o que acontecera e o atormentava. E o camponês disse-lhe: «Não fales com mais ninguém sobre isso: nem comigo, nem com os ciganos. É preciso respeitar o mistério quando se tem a sorte de o encontrar».

Tonino Guerra, Histórias para uma noite de calmaria, ed. Assírio e Alvim, 2004