O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

28.4.07

IV Domingo da Páscoa: o domingo do Bom Pastor


IV Domingo da Páscoa
Ano C
Jo 10, 27-30


Estamos a viver o tempo pascal com uma especial contemplação de Jesus ressuscitado da morte: ele é o Cordeiro que sobre a cruz foi degolado (cf. Ap 5,6-9.12; 13,8), mas com a ressurreição tornou-se o Pastor, e como tal conduz ainda a sua comunidade, alimenta as suas ovelhas através de novos pastores por ele queridos e oferecidos ao seu povo. Sim, Jesus é o Senhor vivente que, como «Pastor dos pastores» (1Ped 5,4) está entre o Pai, do qual é Filho, e os crentes nele, o seu «pequeno rebanho» (Lc 12, 32).

Jesus revela isto no templo de Jerusalém, nos dias em que se celebram as festas de Hanukkah ou da Dedicação, aquela na qual os judeus recordam de novo a santificação do templo que tinha sido profanado por Antíoco IV Epifanes. No templo, Jesus tinha já realizado um gesto significativo: tinha-o purificado, expulsando dele os vendilhões e os animais destinados ao sacrifício (cf. Jo 2, 13-22). Então surgira a pergunta: «Com que autoridade faz ele estas coisas?» Ora, analogamente, os chefes dos Judeus lhe perguntam: «Até quando manterás o nosso espírito em suspenso? Se tu és o Cristo, diz abertamente que o és» (Jo 10, 24). Mas Jesus responde-lhes colocando em evidência a dificuldade em revelar a sua identidade a quantos não acreditam nele, a quantos não querem ver as suas acções como acções de Deus: enfim, àqueles que não são suas ovelhas (cf. Jo 10, 25-26)…

E assim emerge a figura de Jesus como Pastor e a dos crentes como ovelhas. Qual é a relação, a ligação, entre Jesus e os crentes? Ele mesmo o diz com clareza: as ovelhas escutam a palavra até reconhecerem a sua voz, portanto, confiam nele e seguem-no com confiança e segurança, para onde quer que ele os conduza. Escuta e sequela são, assim, o que é essencial para se tornar crente em Jesus, para ser incluído na sua vida, para fazer parte da sua comunidade: só através da escuta obediente e uma sequela perseverante se pode ter com Jesus uma comunhão de vida profunda e duradoira. Mas esta ligação das ovelhas com o Pastor cruza-se como o conhecimento que Jesus tem das suas ovelhas: ele conhece-as uma a uma, chama-as pelo nome (cf. Jo 10,3) e, precedendo-as, abre-lhes o caminho para pastos abundantes (cf. Jo 10,9). Não só, mas este Pastor que é Jesus dá a sua vida pelas ovelhas (Jo 10, 11.15.17), de modo que elas tenham a vida eterna, não sejam roubadas da sua mão e não caminhem perdidas.

Este exercício pastoral —note-se bem— acontece na relação do Pastor com o inteiro rebanho e com cada uma das ovelhas. Deveriam recordá-lo os pastores da Igreja: se de facto o seu ministério não é vivido como a relação quotidiana de quem está «no meio» (Lc 22, 27) da comunidade, eles acabam por se tornar funcionários… Infelizmente isto acontece sempre cada vez mais na igreja, e assim os crentes, as ovelhas, sentem-se cada vez mais organizados em rebanho, impregnados de vários serviços, tratados como «militantes», mas sofrem na realidade de falta de relação e de comunicação com o pastor. Toda a relação autentica, pelo contrário, nutre-se antes de mais pela presença, depois pela escuta, comunicação, amor, cura e dedicação, até ao dom da vida. São estas as atitudes com as quais se deve viver a pastoral, se não se quer que essa caia em mera burocracia, num trabalho de funcionários.

Se o pastor tem com as ovelhas a relação vivida e ensinada pelo «Pastor grande das ovelhas» (Heb 13, 20), então ele será também capaz de lhes abrir a relação com Deus, aquele que o quis como pastor à imagem de Jesus. Jesus recebeu as ovelhas na sua mão, e estas podem gritar: «Quem nos separará do amor de Cristo»? (Rom 8, 35), certos de serem por ele colocados nas mãos do Pai. Eis no fundo para que servem os pastores na igreja, os bispos, os presbíteros: ajudar-nos a tomar consciência de que somos protegidos pela mão de Jesus Cristo, o qual nos quer colocar na mão de Deus, do qual nada nem ninguém nos poderá separar.

Enzo Bianchi
Prior de Bose
[Trad: mro]

IV Domingo da Páscoa: o domingo do Bom Pastor


IV Domingo da Páscoa
Ano C

Jo 10, 27-30


Estamos a viver o tempo pascal com uma especial contemplação de Jesus ressuscitado da morte: ele é o Cordeiro que sobre a cruz foi degolado (cf. Ap 5,6-9.12; 13,8), mas com a ressurreição tornou-se o Pastor, e como tal conduz ainda a sua comunidade, alimenta as suas ovelhas através de novos pastores por ele queridos e oferecidos ao seu povo. Sim, Jesus é o Senhor vivente que, como «Pastor dos pastores» (1Ped 5,4) está entre o Pai, do qual é Filho, e os crentes nele, o seu «pequeno rebanho» (Lc 12, 32).

Jesus revela isto no templo de Jerusalém, nos dias em que se celebram as festas de Hanukkah ou da Dedicação, aquela na qual os judeus recordam de novo a santificação do templo que tinha sido profanado por Antíoco IV Epifanes. No templo, Jesus tinha já realizado um gesto significativo: tinha-o purificado, expulsando dele os vendilhões e os animais destinados ao sacrifício (cf. Jo 2, 13-22). Então surgira a pergunta: «Com que autoridade faz ele estas coisas?» Ora, analogamente, os chefes dos Judeus lhe perguntam: «Até quando manterás o nosso espírito em suspenso? Se tu és o Cristo, diz abertamente que o és» (Jo 10, 24). Mas Jesus responde-lhes colocando em evidência a dificuldade em revelar a sua identidade a quantos não acreditam nele, a quantos não querem ver as suas acções como acções de Deus: enfim, àqueles que não são suas ovelhas (cf. Jo 10, 25-26)…

E assim emerge a figura de Jesus como Pastor e a dos crentes como ovelhas. Qual é a relação, a ligação, entre Jesus e os crentes? Ele mesmo o diz com clareza: as ovelhas escutam a palavra até reconhecerem a sua voz, portanto, confiam nele e seguem-no com confiança e segurança, para onde quer que ele os conduza. Escuta e sequela são, assim, o que é essencial para se tornar crente em Jesus, para ser incluído na sua vida, para fazer parte da sua comunidade: só através da escuta obediente e uma sequela perseverante se pode ter com Jesus uma comunhão de vida profunda e duradoira. Mas esta ligação das ovelhas com o Pastor cruza-se como o conhecimento que Jesus tem das suas ovelhas: ele conhece-as uma a uma, chama-as pelo nome (cf. Jo 10,3) e, precedendo-as, abre-lhes o caminho para pastos abundantes (cf. Jo 10,9). Não só, mas este Pastor que é Jesus dá a sua vida pelas ovelhas (Jo 10, 11.15.17), de modo que elas tenham a vida eterna, não sejam roubadas da sua mão e não caminhem perdidas.

Este exercício pastoral —note-se bem— acontece na relação do Pastor com o inteiro rebanho e com cada uma das ovelhas. Deveriam recordá-lo os pastores da Igreja: se de facto o seu ministério não é vivido como a relação quotidiana de quem está «no meio» (Lc 22, 27) da comunidade, eles acabam por se tornar funcionários… Infelizmente isto acontece sempre cada vez mais na igreja, e assim os crentes, as ovelhas, sentem-se cada vez mais organizados em rebanho, impregnados de vários serviços, tratados como «militantes», mas sofrem na realidade de falta de relação e de comunicação com o pastor. Toda a relação autentica, pelo contrário, nutre-se antes de mais pela presença, depois pela escuta, comunicação, amor, cura e dedicação, até ao dom da vida. São estas as atitudes com as quais se deve viver a pastoral, se não se quer que essa caia em mera burocracia, num trabalho de funcionários.

Se o pastor tem com as ovelhas a relação vivida e ensinada pelo «Pastor grande das ovelhas» (Heb 13, 20), então ele será também capaz de lhes abrir a relação com Deus, aquele que o quis como pastor à imagem de Jesus. Jesus recebeu as ovelhas na sua mão, e estas podem gritar: «Quem nos separará do amor de Cristo»? (Rom 8, 35), certos de serem por ele colocados nas mãos do Pai. Eis no fundo para que servem os pastores na igreja, os bispos, os presbíteros: ajudar-nos a tomar consciência de que somos protegidos pela mão de Jesus Cristo, o qual nos quer colocar na mão de Deus, do qual nada nem ninguém nos poderá separar.

Enzo Bianchi
Prior de Bose
[Trad: mro]

«Posso contar contigo?»





«Eis-me aqui Ó Deus, para fazer a tua vontade»
Mensagem de D. António Francisco dos Santos, Presidente da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios para a Semana de Oração pelas Vocações

1. Na continuidade da proposta iniciada na Mensagem do ano passado, o Santo Padre oferece-nos uma oportuna reflexão para a próxima Semana Mundial de Oração pelas Vocações, a celebrar de 22 a 29 de Abril de 2007, voltada para o tema: a vocação ao serviço da Igreja – Comunhão.

Fundando-se a missão da Igreja na «comunhão intima e fiel com Deus» e encontrando na Eucaristia a fonte permanente e viva da unidade eclesial, é imperioso que toda a acção pastoral e o cuidado concreto das vocações se enraízem em permanência no mistério da Igreja – Comunhão.

2. A alegoria da videira e dos ramos, de que nos fala Jesus no capítulo 15 de S. João, e o seu convite imperativo: «permanecei em Mim», ajudam-nos a compreender a urgência desta união a Cristo e desta comunhão eclesial.

Jesus toca-nos «com o seu olhar e a sua voz», como outrora a alguns pescadores da Galileia, convida-nos a segui-Lo e confia-nos uma missão como servos do amor divino e servidores da Igreja – Comunhão.

Ninguém estranhe, por isso, que só o «amor eucarístico» possa sustentar e promover a pastoral vocacional e que as vocações surjam e cresçam, em número e qualidade, no Povo de Deus «onde há pessoas nas quais Cristo vivo e ressuscitado pode ser visto através da sua Palavra, dos sacramentos e, especialmente, na Eucaristia». Como aconteceu outrora com os discípulos de Emaús.

3. A escola dos discípulos de Jesus é sempre escola de comunhão. Aí se cinzelam as arestas e as marcas de um crescente individualismo dos tempos que vivemos e dos sonhos tecidos pelas nossas ambições mais mesquinhas.

Compreende-se, assim, que alguns dos lugares mais fecundos da vocação, para lá do ambiente de harmonia e de generosidade das famílias cristãs, sejam os campos tão diversificados de experiências de oração e de vida de grupos de jovens, de acção dos movimentos apostólicos, de percursos de missão de voluntariado missionário, de escolas com sábios projectos educativos, e de celebração da fé das comunidades cristãs onde o amor divino, a unidade eclesial e a comunhão fraterna se vivam, se sintam e se vejam.

Falar da vocação, acreditar na vocação, fazer-se continuamente discípulo de Jesus e companheiro de caminho dos chamados pode parecer navegar em mar revolto ou remar contra maré, lembra-nos o Santo Padre Bento XVI.

4. A vocação é sempre um mistério de conversão e um milagre de perseverança.

Para assim compreender a vocação basta reconduzirmo-nos à escola dos discípulos de Jesus. Para a aceitar, importa olharmos para nós mesmos e reconhecermos com humildade, com confiança e com serenidade que a mão de Deus nos conduz e diariamente nos fascina o desejo de seguir o Mestre. Só o que é definitivo nos torna felizes e nos abre horizontes de doação sem limites e de entrega sem cálculos, «dando profeticamente testemunho de Cristo e da sua mensagem libertadora de salvação».

5. São caminhos de conversão e de perseverança os que a Igreja quer percorrer e são múltiplos e diversificados já os sinais de esperança que se anunciam no horizonte da Pastoral Vocacional em Portugal.

Foi com sentido de esperança e com olhar de atenção a esses sinais, a que urge dar visibilidade, que a Comissão Episcopal das Vocações e Ministérios solicitou ao Secretariado Diocesano da Pastoral Vocacional de Coimbra a elaboração dos subsídios pastorais para a Semana das Vocações. A ele se deve uma palavra de reconhecimento por esta bela experiência de comunhão em Igreja e por este acrescido trabalho ao serviço de uma única e igual missão: rezar com confiança e trabalhar com perseverança.

As Vocações merecem da Igreja esta solicitude permanente.

+António Francisco dos Santos

Bispo de Aveiro e Presidente da Comissão Episcopal das Vocações e Ministérios

26.4.07

Arte cristã como vocação

A agência Zenit conversou com Humberto Utro, curador do Museu Pio-Cristão dos Museus Vaticanos, provavelmente a parte mais desvalorizada das galerias vaticanas.

Quando lhe perguntaram como começou a dedicar-se à arte paleocristã, ele não respondeu a falar do seu passado na universidade de Florença, nem citou a sua obra no prestigiado Instituto Pontifício de Arqueologia Cristã.
Ele começou a falar da sua juventude em Palermo, Sicília, e dos anos de colégio, durante os quais o seu professor de Religião foi o Pe. Pino Puglisi, assassinado pela máfia em 1993. O Pe. Puglisi, recorda Utro, «emocionava-se com a fé» e «ensinava que cada cristão tem uma vocação específica, e que devia compreender como servir melhor a Deus e à Igreja». Enquanto fala, Utro dá a impressão de que há mais importância nos anos da sua primeira formação do que nos seus títulos universitários.
Após ter estudado Teologia como leigo, Utro interessou-se pela História da Arte, e obteve a sua primeira licenciatura com uma tese sobre as lâmpadas de barro de origem cristã. Percebeu, então, «que para entender a arte cristã das origens, era necessário compreender a comunidade que a havia produzido; a Igreja primitiva e as Sagradas Escrituras eram parte integrante dessa arte».
Procurando esse «encontro entre arte e fé», como ele o define, Utro compreendeu que tinha de «ver as origens da arte cristã, as primeiras comunidades cristãs». Assim, ao estudar a Arqueologia Cristã foi desenvolvendo um interesse pela iconografia.
O restante é descrito por ele como obra da Providência. Enquanto ele estudava e escrevia sobre o que se conserva na Biblioteca Vaticana, a colecção foi transladada para o Vaticano e chamou a atenção do director dos Museus, Francesco Buranelli. Três anos depois, Utro foi nomeado como curador da colecção dos sarcófagos das origens do cristianismo. Ele descreve essa nomeação como «o mais belo dom de Deus à minha vocação».Utro não perdeu tempo em fazer com que esse museu único suscite o interesse público. Ainda que com frequência ele seja deixado de lado pelos turistas, que se amontoam na Capela Sistina, a esplêndida colecção de sarcófagos esculpidos testifica aos visitantes o credo, as esperanças e as doutrinas das primeiras comunidades cristãs inscritas na pedra. «Tenho um tesouro nas minhas mãos», disse Utro sobre o seu trabalho.
Desde que é curador, organizou duas exposições. A primeira, intitulada «A viagem da fé» e a segunda, enviada ao Museu das Civilizações Asiáticas de Singapura, formava parte de uma série que analisou as diversas religiões da Ásia e contou a história do cristianismo como uma viagem contínua.
«A fé cristã nasceu de uma viagem – explica Utro – Deus que, através de seu Filho veio ao mundo; os Magos que viajaram para ver Jesus e logo partiram para difundir a notícia; Jesus que viaja para Jerusalém; e a viagem dos primeiros cristãos que iam evangelizar todo o mundo»
As viagens, de todos os modos, não acabam com o Evangelho. «Os peregrinos viajam para visitar os lugares pelos quais Jesus caminhou e o lugar onde morreu São Pedro», observa Utro, afirmando que a sua parte preferida da exposição é a secção final, que mostrava os missionários na Ásia. O Museu de Singapura acrescentou as suas próprias obras, mostrando que esta viagem, iniciada em Belém, chegou aos rincões mais remotos do Oriente.
A mostra mais recente, «A Palavra esculpida», foi organizada em colaboração com a Sociedade Bíblica Italiana, para festejar o 40º aniversário da constituição do Concílio Vaticano II “Dei Verbum”. Utro descreve o esforço como uma «mostra ecuménica, que celebrava a colaboração das diversas denominações cristãs para criar uma tradução comum das Sagradas Escrituras».
A exposição uniu as palavras das Escrituras às imagens dos primeiros cristãos, demonstrando que aquelas antigas incisões em pedra têm ainda hoje ressonância e significado, assim como o poder de unir os cristãos no seu credo em Cristo, na salvação e no paraíso.
Utro sublinha que a colecção Pio Cristã é o lugar ideal para a mostra: «A arte das origens cristãs é uma arte da Igreja indivisa, antes dos cismas». O curador sublinha ainda que «a arte foi também uma fonte de divisão entre os cristãos, desde a iconoclastia até os luteranos; este museu, portanto, é um lugar ideal para olhar a história comum, compartilhada pelos cristãos».
A formação, a vocação e a evangelização estão todas esplendidamente representadas por esta colecção, mas também por seu curador. A dedicação de Utro ao seu museu e a sua visão das grandes lições mostradas por imagens do cristianismo das origens são um exemplo da colocação em prática da própria vocação cristã.

Umberto Utro, 41 anos, é curador do Museu Pio-Cristão dos Museus Vaticanos desde 2003.

ROMA, quinta-feira, 26 de Abril de 2007

Uma monja moderna

Aconteceu ontem. Tomei um avião que saía de Roma para Madrid. Os passageiros, os de sempre: turistas, empresários, aventureiros. Os atrasos, também os de sempre… Sentei-me mais ou menos a meio do avião. Ao meu lado estava uma monjita jovem. Com o seu sorriso e o seu rosto claro inspirou-me uma grande paz. O seu olhar transparente falava mais de Deus do que muitos sermões. Ela estava muito bem apresentada, muito digna, com o seu hábito branco e o seu rosário na mão.
Quando acabou de rezar, começou cometamos a conversar e ela falou-me da sua formação e da sua vocação. Foi uma conversa agradável como poucas. Surpreendendo-me com a sua alegria, falou-me também do grande amor que tinha pela Igreja e o seu desejo de trabalhar cada vez mais para a ajudar. Confessou que não via o mundo consumista e ateu com azia, mas como uma roda que se dirige constantemente para Deus.
«Não sou optimista – disse-me – sou uma mulher que vive de esperança. A diferença entre o optimismo e a esperança é que o primeiro diz: “Todo acabará bem porque o mundo não pode ficar pior”; a segunda, ao contrário: “Deus está connosco, ama-nos e jamais nos abandonará. E apesar das coisas andarem mal, no fim, sempre poderemos encontrar Deus… se quisermos”», e soltou um sorriso cintilante. Entretanto, chegou a hospedeira com uma pequena refeição. Um bom frango frio, um pão e uma salada mista. Nada melhor para continuar a nossa conversa. Obviamente, sem antes de abençoar os alimentos.Sem afã prioritário pensei: «Esta é uma monja clássica». Mas, para meu espanto, depois da refeição, tirou da sua bagagem um admirável laptop e começou a escrever.
Invadiu-me a curiosidade. Não é normal ver uma monja a trabalhar com um portátil e muito menos num avião. O que acontece é que a boa religiosa, além de todos os seus afazeres catequéticos e pedagógicos, dedica parte do seu tempo a escrever para um diário da sua diocese. Além disso, é consultora vocacional da sua congregação – que penosamente não me lembro qual era – e tinha que responder a uma boa dezena de e-mails.Eu fiquei boquiaberto. Uma reverenda moderna. E ao mesmo tempo também clássica. E será que o moderno está necessariamente em contraste com o clássico?! Interroguei-me.
Aprendi muito com ela. Sobretudo que na Igreja temos que aproveitar melhor os avanços tecnológicos para evangelizar mais, tendo sempre como pano de fundo a fidelidade à mesma Igreja. Também me ensinou que nós, os cristãos, beneficiamos de segurança no futuro, não por nosso esforço ou mérito, mas porque Deus nos prometeu.
Quantas religiosas existem no mundo que vivem assim a sua vocação! Millares! Certamente que serão poucas as que viajam assim de avião, e talvez nem sequer têm correio electrónico. Mas, para a imensa maioria, uma multidão, desgasta-se exemplarmente transmitindo o amor de Deus aos demais homens e mulheres do mundo.

Irmã Maria Luísa, obrigado! Adolfo Güémez


Traduzido por P.e Francisco Miguel

24.4.07

Pré-Seminário



Adolescente!
Jovem!
Se o teu desejo é encontrar um sentido para a vida, então, tens no Pré-Seminário um tempo oportuno para reflectir, aprofundar, conhecer, conviver e experimentar a fraternidade e a presença de Deus que te chama.

Jesus tem algo de extraordinário para te dizer!
Queres arriscar e conhecer melhor o que Jesus Cristo tem preparado para ti?

Este espaço é exclusivamente para ti!

O que é o Pré-Seminário?

O Pré-Seminário é um espaço pensado e criado para ti, para motivar e ajudar o teu coração a serenar face às questões que te inquietam na descoberta do sentido para a tua vida. Neste espaço poderás, então, encontrar-te contigo mesmo e com Jesus Cristo, num clima de reflexão, de convívio, de partilha, de oração e de fraternidade. E conhecendo e valorizando o sacerdócio ministerial e as suas exigências, descubras os indícios da vocação que te leve a dar uma resposta livre, clara e alegre ao chamamento de Jesus Cristo.
Quais os requisitos para entrar no Pré-Seminário?

Muita boa disposição para descobrir o que Deus tem preparado para ti!
Coração disponível para as surpresas de Deus.
Olhar atento e sensível à novidade.
Sentido do Outro na tua vida.

Aproveita as oportunidades que Deus te dá!

Morada
Seminário de Nossa Senhora da Conceição
Rua de S. Domingos, 94 B
4710-435 Braga
Telefone: 253 202 820 e Fax: 253 202 821
P.e Francisco Miguel

23.4.07

Testemunho sacerdotal

(A semente de Deus)


Nesta semana de oração pelas vocações, eis o testemunho de um sacerdote da diocese de Roma. Após mais de cinquenta anos de vida sacerdotal, fala-nos com entusiasmo da sua vocação e da sua rica experiência ministerial. «Caros amigos, creio que não me bastará a eternidade para agradecer ao Senhor por ter-me feito sacerdote!» é a conclusão deste depoimento tão significativo.

«JESUS CRISTO INVADIU A MINHA VIDA!»

No outro dia, d. Pierino, Reitor do Seminário Romano, pediu-me insistentemente que me apresentasse diante de vós para dar o meu testemunho. Manifestei-lhe a minha perplexidade porque, por natureza, creio mais no testemunho dos fatos que das palavras: e palavras, hoje, até há demais. De qualquer maneira, não pude dizer não a um amigo.
Sou um sacerdote romano, nascido em 1922 e, 53 anos atrás, terminados os estudos e a formação no Seminário Romano Maior, ordenado sacerdote nesta Basílica (de São João do Latrão), no longínquo 15 de Junho de 1946, pelo então Vice-gerente de Roma Mons. Luigi Traglia.
Estando sempre «na trincheira», tive a possibilidade de entrar em contacto com um série infinita de experiências variadíssimas: das mais exaltantes e comoventes, às mais dramáticas e dilacerantes. Aproximei-me, conheci e condividi os sentimentos de milhares e milhares de irmãos e irmãs de todas as idades, condições sociais e culturais.
Portanto posso afirmar que, mesmo do ponto de vista humano, a vida do sacerdote (especialmente do sacerdote pároco) é de uma tal riqueza que permite a realização plena da personalidade de um homem que viva com paixão a sua missão e é capaz de torná-lo verdadeiramente (como afirma Paulo VI) um «especialista em humanidade».
O padre não é um homem-negado, um «homem-de-menos», mas um «homem- de- mais»: mais em amor, mais em doação, mais em condivisão com todos os seus irmãos.
Porém, caros amigos, este não é o aspecto mais importante da minha vida de sacerdote. A realidade fundamental, que sustentou e sustenta todo o meu variado apostolado, é que a minha vida foi invadida por Jesus Cristo, Filho de Deus, com a graça do seu amor envolvente e totalizante. Ele me cativou e me seduziu a ponto de fazer com que eu partilhasse não só a sua vida, mas também a Paixão pelo Reino de Deus: anunciar e doar, «in Persona Christi», o Amor infinito e comovente do Pai para a salvação eterna dos meus irmãos.
Por isto, a minha verdadeira identidade sacerdotal é ser «Ministro de Cristo, dispensador dos seus Mistérios». Nesta perspectiva, o ponto focal da minha vida, o centro do qual todo o resto se irradia é o Sacrifício Eucarístico: a Santa Missa. É onde, cada manhã se concentra todo o meu mundo, toda a minha realidade humana e espiritual, em sintonia com toda a Igreja, com toda a sociedade, com o mundo inteiro. É ali, no Coração de Jesus, vivo e presente sobre o altar, que ganham consistência, na dimensão sobrenatural, todos os problemas: meus e dos meus irmãos.
Tenho plena convicção de fé que da celebração Eucarística de cada dia nasce cada graça, cada generosidade, cada disponibilidade ao perdão, cada brilho de esperança e de alegria, cada impulso à paz, à compreensão recíproca, toda coragem e entusiasmo para enfrentar o novo dia que a bondade do Pai preparou para mim.
Descendo do altar sinto-me mais disponível e mais forte para pronunciar com fé o meu «Eis-me aqui, Senhor». Estou pronto para enfrentar este novo dia, não sozinho, mas junto a Ti. Estou pronto a repetir o meu «Eis-me aqui» como Nossa Senhora que, com o seu «Sim», permitiu que Deus realizasse a Sua vontade e o Seu desígnio de salvação.
Uma longa experiência ensinou-me que os homens não me pedem tanto que demonstre o amor de Jesus e a misericórdia de Deus com muitos discursos e citações, mas desejam, antes, ver e quase experimentar a presença de Jesus na realidade: desejam ver se na minha vida Jesus é verdadeiramente uma realidade absoluta e determinante. Por isso, frequentemente me pergunto quanto e como a minha experiência pessoal de Deus possa se tornar uma epifania, uma manifestação de Deus para os meus irmãos.
Caros amigos, creio que não me bastará a eternidade para agradecer ao Senhor por ter-me feito sacerdote. Agora, com o Salmista, desejo proclamar sem cessar a misericórdia do Senhor, pedir-lhe que não me abandone na velhice, e que eu possa continuar anunciando o seu amor e a sua fidelidade a todas as gerações, começando por estes neo-ordinandos presbíteros do próximo Domingo, aos quais a Igreja passa o «testemunho», para que a salvação do Senhor, através deles, possa continuar o seu caminho no novo milénio para a maior glória de Deus e salvação de todos os homens.

Mons. Eutizio Fanano, do clero de Roma

44ª semana de oração pelas Vocações

(Caravaggio, «A vocação de S. Mateus», Roma)

A Jornada Mundial de Oração pelas Vocações é ocasião privilegiada para todas as pessoas de fé reflectirem sobre o dom do chamamento divino e considerarem a sua própria vocação. E, em comunhão com toda a Igreja, partilhar a solicitude pelas vocações ao ministério ordenado e à vida consagrada.
A Jornada Mundial das Vocações não pode ser entendida como uma questão que se possa encerrar num único dia, ainda que a esse dia se preste uma atenção mais expressiva. A semana que se inicia a 22 de Abril e que culmina a 29 tem por objectivo promover uma cultura vocacional, motivando as vontades a partir de alguns recursos que difundem a mensagem da Jornada Mundial.
O tema que Bento XVI nos propõe na sua mensagem para esta 44° Jornada "Permanece em mim" coloca-nos em sintonia com o tema: a vocação ao serviço da Igreja-Comunhão. Assim, a Igreja reflecte, como ícone, o mistério de Deus Pai, de Deus Filho e de Deus Espírito Santo; e toda vocação traz em si os traços característicos das três Pessoas da comunhão trinitária. As Pessoas divinas são fonte e modelo de toda a vocação. Aliás, em si mesma, a Trindade é um misterioso entrelaçado de chamamentos e respostas. Somente ali, dentro daquele diálogo ininterrupto, cada pessoa descobre não apenas as suas origens, mas também o seu destino e o seu futuro, o que é chamado a ser e a tornar-se, na verdade e na liberdade, na concretização da sua história.
E, conforme a carta aos Coríntios, «a cada um é dada uma manifestação particular do Espírito, para a utilidade de todos» (1 Cor 12, 7). A vocação (cultura) é essencial para a Igreja se compreender: “a vocação define, em certo sentido, o ser profundo da Igreja ainda antes do seu operar, (pois) no próprio nome da Igreja, Ecclesia, está indicada a sua íntima fisionomia vocacional, (como) convocação, assembleia dos chamados” (PDV, 34). Há um bem superior que está acima do dom pessoal: construir na unidade o Corpo de Cristo; tornar epifânica a sua presença na História, «para que o mundo creia» (Jo 17,21). A Igreja, que deve cultivar-se como “assembleia dos vocacionados e vocacionadas”, ‘converte-se’ ao seu futuro; vem da Trindade e vai para a Trindade. A comunidade eclesial, por um lado está unida ao mistério de Deus, de que é ícone visível; e por outro, é totalmente envolvida com a história do homem no mundo, em estado de êxodo, rumo «aos novos céus». A pastoral vocacional é o caminho da Igreja que caminha com o homem, que encontra o seu caminho em resposta a um chamamento. A comunidade eclesial é ‘comunhão de carismas e ministérios’; nela, todos, conforme o seu ministério e carisma, são responsáveis, e cada um é-o conforme o modo de ser membro. A Igreja, e nela, toda vocação, exprimem um dinamismo idêntico: ser chamados para uma missão.
A vocação nasce num lugar determinado, num contexto concreto e limitado, mas não se volta para si mesma, não tende para a própria perfeição ou auto-realização psicológica ou espiritual do chamado, mas floresce na Igreja, naquela Igreja que caminha no mundo, rumo à realização de uma história que é grande porque é de salvação. A mesma comunidade eclesial tem uma estrutura profundamente vocacional: ela é chamada para a missão como sinal de Cristo, missionário do Pai: ela «é em Cristo como um sacramento, isto é, sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano» (Lumen Gentium 1). Por um lado, a Igreja é sinal que reflecte o mistério de Deus; é ícone que evoca a comunhão trinitária no sinal da comunidade visível, e ao mistério de Cristo no dinamismo da missão universal. Por outro lado, a Igreja está imersa no tempo dos homens, vive na história em condição de êxodo, está em missão a serviço do Reino para transformar a humanidade na comunidade dos filhos de Deus.


P. Vitor Rodrigo

21.4.07

III Domingo da Páscoa


III Domingo da Páscoa
Ano C
Jo. 21, 1-19

Hoje lemos o capitulo 21 do Evangelho de João, uma espécie de apêndice a todo o evangelho. Nos dias sucessivos à Páscoa, Pedro toma a iniciativa de ir pescar, acção simbólica que alude à missão: o discípulo amado, como os outros cinco que estão com Pedro na margem do lago de Tiberíades, concordam com a sua decisão e acompanham-no. A barca da igreja lança-se ao largo e Pedro condu-la sobre águas profundas, como o tinha feito anteriormente sob ordem de Jesus (cf. Lc 5,4). «Mas naquela noite não apanharam nada»: não basta que seja Pedro a guiar a pesca, é preciso que esteja também o Senhor. «Sem mim nada podereis fazer» (Jo 15,5) tinha dito Jesus e agora na sua ausência a pesca é vã…

Jesus ressuscitado está na realidade presente sobre a margem do lago, mas os discípulos não sabem reconhece-lo, pois estão ainda envolvidos pelas trevas da incredulidade. Vendo a sua pesca infrutífera, Jesus dirige-lhes a palavra que os reenvia aos inícios da vocação: «lançai as redes pelo lado direito da barca e encontrareis». Eles obedecem de imediato ao seu comando, com o resultado que «não podem sequer arrastar as redes pela grande quantidade de peixes». É então que o discípulo amado grita: «É o Senhor!». Ouvida esta confissão de fé emanada por um coração que ama, Pedro sente-se invadido de vergonha e cingindo-se com as roupas para cobrir a sua nudez, lança-se à água, enquanto os outros chegam à margem de barco. «Descidos em terra, viram o fogo de brasas com os peixes em cima e o pão». Se bem que os tenha precedido, Jesus pede aos discípulos para partilharem com ele o fruto da sua pesca: 153 grandes peixes, tantos quantos eram as espécies conhecidas na altura, para indicar a universalidade da igreja. E no entanto a rede não se rompe, como a túnica de Cristo não tinha sido lacerada pelos soldados no momento da crucifixão (cf. Jo 19, 23-24)…

No fim da refeição no qual Jesus se tinha feito novamente servo dos seus discípulos, ele se dirige a Pedro chamando-o com o nome que este tinha antes da vocação, ao qual tinha tornado depois de o ter renegado. E o faz colocando-lhe uma precisa pergunta: «Simão de João, tu amas-me mais que todas as coisas?». Por três vezes Pedro tinha negado conhecer Jesus e agora por três vezes o Senhor o interroga, a ponto de Pedro, triste por esta insistência, lhe responder: «Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que te amo!». É o transbordar de um coração ferido, semelhante ao pranto amargo recordado pelos evangelhos sinópticos na noite da traição (cf. Mc 14, 72), mas aqui unido a uma confissão de amor. O Ressuscitado então reabilita-o, chamando-o por três vezes a apascentar as suas ovelhas: a negação é envolvida em misericórdia, e Simão torna a ser Pedro, a Rocha da Igreja.

Jesus revela depois a Pedro o futuro que o espera, reconduzindo-se a algumas palavras pronunciadas no decorrer da ultima ceia. Durante o lava pés ele tinha-lhe dito: «Tu agora não percebes, mas perceberás depois» (Jo 13, 7) e ainda: «Para onde eu vou, de momento tu não me podes seguir; seguir-me-ás mais tarde» (Jo 13, 36). Finalmente chegou o momento de desvelar a hora e o modo deste seguimento: «quando eras mais novo cingias-te sozinho e ias para onde querias; mas quando fores mais velho um outro te cingirá e te levará para onde tu não queres». Sim, Pedro glorificará Deus aceitando ser conduzido lá onde não teria querido: ao martírio, quando versar o sangue para atestar a sua fidelidade a Cristo… E assim ressoa para ele uma vez mais o chamamento original do Senhor: «Segue-me!».

Estas páginas que encerram o quarto evangelho são páginas preciosas, porque revelam que a Igreja nasce plural, é por sua própria natureza uma comunhão plural. Estas duas figuras complementares, Pedro e João, recordam-nos que na comunhão da única igreja de Deus é necessário reconhecer a pluralidade de tradições diversas, todas porém orientadas para o único Senhor: é esta a condição para que a missão seja frutuosa! Nunca o esqueçamos: já dentro dos evangelhos a unidade da igreja é plural, assim como diversos são os dons e os chamamentos, mas único é o Senhor (cf. 1 Cor 12,4-6).

Enzo Bianchi
Prior de Bose
[trad: MRO]

17.4.07

V Jornada da Pastoral Familiar

Tema: A FAMÍLIA E A GESTÃO FINANCEIRA (Família Solidária)

21 de Abril
Local: Auditório do Colégio D. Diogo de Sousa


14H30
Abertura
Sr. Arcebispo Primaz, D. Jorge Ortiga


A gestão da solidariedade na família

P.e José Maia (Presidente das IPSS)


Intervalo


A gestão financeira no lar

Eng. Abílio Vilaça (ASS.Comercial de Braga)


Moderadora
Dra. Helena Guimarães

19.00
Encerramento

V Jornada Pastoral Familiar - Braga



A Família e a Gestão Financeira

A Família sob a mira do crédito podia ser o título de um documentário sobre a situação financeira da maioria das nossas famílias. Numa sociedade de valores humanizantes e cristãos diluídos e reticentes (como se pôde constatar com o referendo do aborto), relativizados pelo primado do indivíduo e, sobretudo, do dinheiro, é este último que rege vontades, dita estrangulamentos interpessoais, favorece conflitos intergeracionais. Neste cenário, as crianças omnipotentes têm imperiosamente de ter tudo e subjugam os pais à volubilidade dos seus caprichos passageiros. Já os adolescentes, esses precisam da última geração de iPods (players de áudio-digital) ou de telemóveis e agonizam com a caducidade permanentemente actualizável dessa última geração, pois o aparelho mais sofisticado hoje já não o é amanhã, quase literalmente, É claro que a depressão é sempre um espectro que ameaça todos as faixas etárias e serve de mote de chantagem: se não me derem a coisa X, fico num estado depressivo irreversível, sem auto-estima, com complexos de inferioridade, etc. (pois o chorrilho de disparates ao serviço da autovitimização é infindável). Tudo é equacionado como se as pessoas se tornassem pessoas pelas coisas que ostentam e à sombra das quais se escondem e se demitem de ser e não pelo que efectivamente são. E depois temos os adultos, compulsivos incontinentes, no que diz respeito a gastar dinheiro, principalmente o que não têm, para a casa, o recheio, o carro, as férias, as festas, os azares, os saldos, as promoções, etc., etc., etc. E a postura vigente é a de gastar num carpe diem manipuladoramente instruído pela publicidade que impõe que se viva agora, o momento e se pague depois, com a agravante e a noção de culpa estar em vias de extinção e a vitimização ganhar terreno a olhos vistos.
Logo, todos somos marionetas, a culpa morre solteira e miseravelmente solitária, a desresponsabilização é uma instituição pública e as famílias enredam-se em teias de alienação do que verdadeiramente interessa, não têm tempo para ser família e, entrando numa postura de autocomiseração, não crescem, por causa da crise e das dificuldades. Concomitantemente, assistimos à diminuição da taxa de natalidade de forma preocupante e às famílias que vacilam na sua constituição e na sua continuidade.
Nota dominante, as depressões sobem em flecha e, para combater o uso de fármacos, a alternativa apontada por alguns técnicos de saúde é ir às compras desenfreadamente, sem limites, e satisfazer desejos. Compra-se quase tudo, mas os problemas persistem, porque a solução, claro está, não passa pela satisfação imediata proporcionada pela materialidade, de um modo redutor.
Obviamente que não é minha pretensão sustentar que o dinheiro tenha de ser encarado de forma exclusivamente negativa. Bem pelo contrário, como bem sabemos, os nossos pequenos gestos de solidariedade, nalguns casos, salvam vidas, mormente quando contribuímos para mitigar a fome, administrar medicamentos e vacinas a quem precisa.
Ora é sobre tudo o que foi arrolado e sobre muitas outras questões adjacentes à temática da Família e a Gestão Financeira que nos debruçaremos na V Jornada da Pastoral Familiar, no próximo dia 21 de Abril, entre as 14h30 e as 19h, no auditório do colégio D. Diogo de Sousa, em Braga. Contamos com todos e particularmente consigo a fim de reflectirmos conjuntamente no modo como podemos crescer em família e pela família, sempre solidariamente.
Vemo-nos na formação anunciada. Até breve!

Helena Guimarães
Departamento Arquidiocesano da Pastoral Familiar

14.4.07

II Domingo da Páscoa



Nesta oitava da Páscoa celebramos o «domingo de Tomé», o discípulo ausente na primeira aparição de Jesus ressuscitado e que permaneceu incrédulo diante do testemunho dos seus irmãos. Quando, porém, o Ressuscitado se manifesta pela segunda vez ele está presente e crê plenamente, aderindo com todo o seu ser ao Senhor da sua vida.

Na sua vicissitude Tomé resume bem o difícil itinerário realizado pelos primeiros discípulos para chegar à fé pascal: esta não é fruto de uma exaltação religiosa ou de uma alucinação psicológica, mas é uma vitória profunda de Jesus ressuscitado sobre as dúvidas e os medos que paralisam os seus discípulos! É neste sentido que o evangelho de hoje nos indica um caminho para chegar a acreditar no Ressuscitado, aquele que sempre vem e fica entre nós, oferecendo-nos a sua paz e dando-nos o Espírito Santo; e isto, em particular, quando estamos reunidos na assembleia eucarística dominical, tempo e espaço no qual se tem a máxima epifania da comunidade cristã.

Nos dias que se seguem à morte de Jesus, os discípulos encontram-se em casa, fechados sobre si mesmos, não só «por medo aos judeus», mas também porque tornados escravos pelo medo da morte (cf. Heb. 2,15); e, no entanto, são habitados por uma inexprimível esperança, suscitada pelo anúncio de Maria de Magdala: «Vi o Senhor!»… Jesus toma a iniciativa e se manifesta pondo-se «no meio deles», qual Senhor que vem; ele infunde nos seus corações a paz, enquanto lhes mostra os sinais da sua paixão. Jesus está vivo, mas o seu sofrimento até à morte não pode ser apagado, e por isso as marcas da paixão permanecem indeléveis no seu «corpo espiritual» (1 Cor 15,44.46), transfigurado pela ressurreição. Soprando depois sobre os discípulos, num gesto que os recria (cf. Gen 2,7) e os faz passar da morte à vida (cf. ez 37,9), o Ressuscitado comunica-lhes o Espírito Santo. Deste modo habilita-os à única missão essencial: perdoar os pecados, perdoar em nome de Deus todos os homens. Sim, a Igreja testemunha a ressurreição de Jesus anunciando e actuando entre os homens a remissão dos pecados!

«Oito dias depois», portanto no mesmo dia de domingo, o dia do Senhor, Jesus manifesta-se de novo aos discípulos. Desta vez está presente também Tomé, novamente unido à comunidade regenerada pelo Espírito do Ressuscitado e capaz de anunciar a ressurreição; mas é exactamente a este anúncio que ele se tinha recusado acreditar, contrapondo a sua necessidade de provas certas: «se não vir nas suas mãos o sinal dos pregos e se não meter o dedo no lugar dos pregos e não meter a minha mão no seu costado, não acreditarei». Tomé não confia nos seus irmãos, pretende ter uma relação directa com o Senhor; e eis que o próprio Senhor com infinita paciência aproxima-se dele e o convida a contemplar os sinais da morte: «Mete aqui o teu dedo e olha as minhas mãos; estende a tua mão e mete-a no meu lado, e não sejas incrédulo mas crente». Então o discípulo chega finalmente a compreender e exclama: «Meu Senhor e meu Deus!», numa confissão de fé que não tem comparação em todo o Novo Testamento…

É difícil chegar à fé na ressurreição, para nós como para Tomé. Ele não teve necessidade de «meter o dedo», e no entanto teve de ver com os seus olhos; mas é graças a ele que Jesus pronuncia a sua última bem aventurança: «Felizes os que embora não vendo acreditarão!». Os destinatários destas palavras somos nós os leitores do evangelho, aquele «sinal escrito» capaz de suscitar a fé que conduz a «viver no Nome de Jesus», na salvação. Somos, portanto, chamados a experimentar a bem aventurança de quem vê Jesus com os olhos da comunidade cristã, reunida no dia do Senhor e na escuta da Palavra de Deus contida nas Escrituras Santas: de facto a comunidade e as Escrituras actualizam para nós a acção do Espírito Santo, enquanto são vivificadas por Ele. A comunidade e as escrituras interagem com o Espírito, criando uma circulação de vida que está no coração da liturgia eucarística: o Espírito vivifica a igreja tornando-a corpo de Cristo, e ressuscita as páginas de todas as Escrituras tornando-a Palavra vivente de Deus, testemunha do Senhor ressuscitado.

Enzo Bianchi
Prior de Bose
[trad: MRO]

A INCREDULIDADE DE TOMÉ


(Caravaggio, «Incredulidade de São Tomé»)

Uma das obras mais comoventes do pintor italiano Caravaggio é a «incredulidade de Tomé». Tomé olha, aterrorizado, os sinais da morte de Jesus, enquanto este ajuda o dedo do apóstolo a entrar no seu lado aberto. O rosto de Jesus contorce-se de dores, como se ressuscitar custasse tanto como morrer. A dor do Ressuscitado, como o episódio de Tomé, recorda-nos que não se pode dar uma prova da existência do que é mais verdadeiro. O essencial não se prova. Acredita-se nele, nem que seja chorando.

MRO

7.4.07

«Não está aqui: ressuscitou!»


Bill Viola, First Light, 2002

VIGÍLIA PASCAL

O conjunto de leituras do Antigo Testamento mostra que a ressurreição de Jesus é o cumprimento do desígnio salvífico de Deus desdobrado desde a criação, através da libertação do Egipto e a história da salvação, até à manhã do primeiro dia da semana na qual do túmulo vazio se levanta o anúncio: «Não está aqui, ressuscitou» (Lc. 24, 6). O cumprimento das Escrituras é o evento pascal, a paixão, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré, o Cristo (Lc 24, 7). O crente estará empenhado, desde o baptismo, a viver uma existência pascal: «considerai-vos mortos para o pecado, mas viventes para Deus, em Cristo Jesus» (Rom. 6,13).
«Porque procurais entre os mortos o vivente?» (lc 24, 5). A pergunta que as mulheres ouvem desde o túmulo vazio interpela os cristãos sobre a qualidade da sua busca de Cristo. Quem procuramos? O Vivente? O Ressuscitado? Aquele que cumpriu as Escrituras ou aquele que espelha as nossas esperanças? As mulheres no sepulcro, com a sua procura do corpo cadavérico para ser ungido e perfumado, restringem Jesus ao âmbito do seu afecto, do seu amor, certamente autêntico, mas que aprisiona Jesus na morte. A grelha afectiva, assim como a grelha politica dos dois discípulos de Emaús, é insuficiente para chegar a Jesus na sua verdade. É preciso ler e ver Jesus à luz das Escrituras e recebê-lo das Escrituras. De resto, Lucas fala de dois homens em vestes fulgurantes que aparecem às mulheres no túmulo. E na transfiguração «dois homens» (Lc 9, 30) dialogam com Jesus sobre o cumprimento da sua missão e do seu ministério: Moisés e Elias, ou a Lei e os Profetas. A Escritura conduz a Cristo e pede às nossas humanas procuras que se convertam em procura de Cristo através da Palavra de Deus. Só assim podemos alcançar Cristo, ou melhor, deixarmo-nos alcançar por Ele, e não encontrar nele aquilo que já conhecemos.
A busca das mulheres é corrigida pela advertência a «recordar as palavras que Jesus tinha dito» (Lc 24, 6.8). É como se elas procurassem um Jesus silenciado, um Jesus cujo corpo foi calado, um Jesus separado das palavras que pronunciou sobre si mesmo e com as quais tinha indicado o sentido da sua vida. Um Jesus cadáver, não vivificado nem sequer pelas palavras de vida que tinha dito. A recordação das suas palavras é essencial para encontrar Jesus.
Se a recordação das palavras de Jesus torna apóstolos as mulheres que, regressadas do sepulcro, se fizeram evangelizadoras, anunciando aos Onze o que tinha acontecido no sepulcro, eis que o grupo masculino da comunidade não crê nas mulheres e julga um devaneio as suas palavras. Se as mulheres não recordavam as palavras de Jesus, os homens não acreditam na palavra das mulheres que são privadas da palavra. E assim é silenciado o seu testemunho e a peculiaridade da sua procura que, embora com os seus limites, tinha sabido conduzi-las lá onde nenhum homem se tinha dirigido. Desde aquela alva primordial para o cristianismo, o grupo eclesial aparece atravessado por uma desconfiança do grupo masculino em relação com o grupo feminino e pela lógica do poder que se joga sobre quem detém a palavra, sobretudo a palavra última, decisiva. E isto, além de ser uma desautorização da condição pela qual na nova economia, em Cristo, «já não há homem ou mulher» (Gal. 3,28), é também um empobrecimento e uma diminuição da igreja, que deve aprender a viver e respirar com ambos os seus pulmões, que não são somente aquele oriental e ocidental, mas sobretudo, aquele masculino e feminino, presente em todas as comunidades.
Se as mulheres, chegadas ao sepulcro, tinha ficado na incerteza, na aporia, na perturbação, Pedro, o único a dirigir-se ao sepulcro depois do que elas contaram, permanece no espanto (Lc 24, 12). O caminho para a fé —e o caminho da fé— conhece também o espanto, a dúvida, a perplexidade, a desorientação, a incerteza. E esta conduz o crente a não julgar, mas a sentir-se vizinho de quem na sua busca não consegue ir além deste nível. «A fé não é para todos» (2 Tess 3,2) dirá S. Paulo.

(Comunidade de Bose)

«Era um grande sábado aquele...»: silêncio de Deus, silêncio do homem

(Duccio di Boninsegna, Descida aos infernos, 1310)

«Hoje sobre a terra há um silencio grande: o Senhor morreu na carne e desceu para sacudir o reino dos infernos. Vai procurar Adão, o primeiro pai, como a ovelha perdida. O Senhor desce e visita os que jazem nas trevas e nas sombras da morte». (Epifânio).

«Aquele que disse a Adão ‘Onde estás?’ desceu aos infernos atrás dele, encontrou-o, chamou-o e disse-lhe: ‘Vem, tu que és à minha imagem e semelhança! Eu desci onde tu estás para te levar à terra da promessa» (Efrém, o Sírio).

«O cristão hoje não deveria esquecer este mistério do grande e santo Sábado, verdadeiro prelúdio para a Páscoa mas também leitura da descida de Cristo nas regiões infernais que habitam ainda todo o cristão, não obstante o seu desejo de sequela de Jesus. Quem não reconhece em si a presença destes infernos? Regiões não evangelizadas, territórios de incredulidade, lugares onde Deus não está e nos quais cada um de nós nada pode se não invocar a descida de Cristo para que os evangelize, os ilumine, os transforme de regiões de morte subjugadas ao poder do demónio em húmus capaz de germinar vida em força da graça. Assim o sábado santo é como o tempo da gravidez, é um crescer do tempo para o parto, para o triunfo da vida nova: o seu silencio não é mutismo mas tempo cheio de energias e de vida» (Enzo Bianchi)

6.4.07

«Meu Deus, meu Deus...»



«Conta-se que o abade Arsénio durante a sua vida, enquanto estava sentado para o seu trabalho manual, usava um linho sobre o peito para as lágrimas que sem parar desciam de seus olhos»

5.4.07

Tríduo Pascal: the stations of the Cross e Anna Akhmátova





(Barnett Newman, The stations of the cross)
ver de baixo para cima


Crucificação


1.
Os céus fundiram-se em fogo e um coro
de anjos glorificou a grande hora.
Disse ao Pai: «Por que me abandonaste?»
E à Mãe: «Não chores por mim, não chores...»

2.

Madalena convulsa se agita.
O discípulo dilecto está de pedra.
Mas olhar aonde se pousa a Mãe,
silenciosa, ninguém se atreve.

1940-1943

Anna Akhmátova, «Só o sangue cheira a sangue», Assírio e Alvim 2000.

3.4.07

De profundis

(William Congdon, «Cristo»)

De profundis. Deus meu eu vos espero, Deus vinde a mim. Deus, brotai no meu peito, eu não sou nada e a desgraça cai sobre minha cabeça e as palavras são mentirosas e eu continuo a sofrer, afinal o fio sobre a parede escura. Deus vinde a mim e não tenho alegria e minha vida é escura como a noite sem estrelas e Deus por que não existes dentro de mim? por que me fizeste separada de ti? Deus vinde a mim, eu não sou nada, eu sou menos que o pó e eu te espero todos os dias e todas as noites, ajudai-me, eu só tenho uma vida e essa vida escorre pelos meus dedos e encaminha-se para a morte serenamente e eu nada posso fazer e apenas assisto ao meu esgotamento em cada dia que passa, sou só no mundo, quem me quer não me conhece, quem me conhece me teme e eu sou pequena e pobre, não saberei que existi daqui a poucos anos, o que me resta para viver é pouco e o que me resta para viver no entanto continuará intocado e inútil, por que não te apiedas de mim? que não sou nada, dai-me o que preciso. Deus, dai-me o que preciso e não sei o que seja, minha desolação é funda como um poço e eu não me engano diante de mim e das pessoas, vinde a mim na desgraça e a desgraça é hoje, beijo teus pés e o pó de teus pés, quero me dissolver em lágrimas, das profundezas chamo por vós e nada responde e meu desespero é seco como as areias do deserto e minha perplexidade me sufoca, humilha-me, Deus, esse orgulho de viver me amordaça, eu não sou nada, das profundezas chamo por vós, das profundezas chamo por vós, das profundezas chamo por vós...».
Clarice Lispector — Perto do coração selvagem. ed. Relógio d’ água

2.4.07

Para a Semana Santa...


Arnulf Rainer, Cruz


O sacrifício de si próprio aceita-o Abraão livre e decididamente, sem suplicar (Gn 22); em relação ao sacrifício dos outros, contudo, atreve-se a uma negociação, como representante, na medida em que, em nome da justiça, implora a justiça de Javé (Gn 18). Esta teologia «dialéctica» – na obediência e na interpelação, na aceitação e na arguição – espelha toda a «dialéctica» da aliança e da própria Criação. É nesse contexto que deve ser interpretado o Mistério Pascal, na sua relação com o problema do mal, do sofrimento e da redenção.

(Cf.: Jon D. Levenson, Creation and the Persistence of Evil)