O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

21.7.07

Lectio Divina: Uma leitura familiar e orante da Biblia


I. O QUE É A LECTIO DIVINA?
Há um provérbio italiano que diz: «Tra il dire e il fare c’è di mezzo il mare» [= «Entre o dizer e o fazer há o mar de permeio»]. Serve este provérbio para apresentar a Lectio Divina como uma ponte, assente em oito pilares, que atravessa este mar, e que conduz, passo a passo, da análise do texto bíblico, passando pela meditação e oração prolongadas, à transformação da vida. O objectivo da Lectio Divina não é o mero deleite intelectual, o saber, mas a transformação da vida1. Eis então, de forma sumária, os oito pilares em que assenta a ponte da Lectio Divina, que ajudam a atravessar o mar que separa o «dizer» do «fazer», para chegarmos da leitura da Escritura à conversão do coração e à transformação da nossa vida.

1. Lectio ou Leitura. Consiste em ler e reler o texto, até lhe captar os elementos fundamentais, a estrutura, as personagens, as acções, a qualidade das acções, o contexto próximo e alargado, os passos paralelos que ajudam à sua melhor compreensão. Trata-se de um trabalho amplo e criterioso, cujo objectivo é responder à pergunta: «O que diz este texto?» Muitas vezes, antes de nos perguntarmos: «O que diz o texto?», começamos logo a exprimir algum pensamento sobre o texto. Nesta primeira etapa, é preciso ler com o lápis na mão, para anotar, sublinhar, remeter, articular.
2. Meditatio ou Meditação. Consiste em procurar encontrar os valores permanentes ou as mensagens que pervadem o texto. Responde à pergunta: «O que é que diz o texto e que valores permanentes veicula?» A resposta encontra-se quase sempre em palavras-chave, que há que repetir e saborear pausadamente – caminhar com as palavras – até ocuparem o nosso coração e marcarem o ritmo da nossa vida .
3. Contemplatio ou Contemplação. Colocamo-nos agora perante o amor de Deus, de Jesus Cristo com o Espírito Santo, operante na história. Neste ponto do percurso, o texto fala-me a mim e para mim, deixando de ser apenas um veículo de mensagens gerais. Responde à pergunta: «O que é que o texto me diz?»
4. Oratio ou Oração. Partindo sempre do texto, chegamos agora ao diálogo com o Senhor, mediante o louvor, a acção de graças, a súplica. Rezar é acolher a benevolência do Deus criador do mundo “sete vezes” bom, e nosso redentor. Bondade que, sendo acolhida, se traduz em bondade no nosso coração, nos nossos olhos, nos nossos lábios, nas nossas mãos. De forma penetrante, refere Franz Rosenzweig, que a oração institui uma nova ordem no mundo, ilumina o mundo. Não no sentido de que, rezando, recebemos uma luz nova para ver o mundo, mas no sentido de que, rezando, vemos o mundo iluminado pela luz nova e primeira da criação3 , o mundo “sete vezes” bom, dito e ordenado pela Palavra de Deus, e por Ele redimido. Refere Santa Teresa de Ávila, que «a oração é uma íntima relação de amizade; é estar com aquele de quem sabemos que nos ama». O amor verdadeiro é tranquilo, mas é ao mesmo tempo um risco, pois há nele um frémito, um estremecimento, um calafrio que gera em nós novos fundamentos, como quando o noivo diz para a noiva: «Tu és bela, minha amada, terrível como um exército em ordem de batalha!» (Ct 6,4)4 .
5. Consolatio ou Consolação. É a consolação (paráklêsis) neotestamentária, que provém do coração do Pai, e que nos anima à consolação dos nossos irmãos (2 Cor 1,3-7)5 . Provém também de Cristo Crucificado e Ressuscitado (Fl 2,1) e do Espírito Santo (Act 9,31), e chega ao coração dos aflitos (Mt 5,4), dos doentes (Mt 9,2.22) e da própria morte (1 Ts 4,18)6 . Neste ponto do nosso percurso, saboreamos a presença consoladora de Deus na nossa vida, sentimos o coração pleno de alegria, e experimentamos afinidade com os comportamentos propostos pela mensagem do texto.
6. Discretio ou Discernimento. Este é o momento em que, sempre sob a acção serena e soberana de Deus, me dedico ao discernimento de valores: valores e desvalores, valores evangélicos e contrafacções.
7. Deliberatio ou Deliberação. É agora o tempo de fazer escolhas, de escolher estilos de vida plenamente conformes ao Evangelho.
8. Actio ou Acção. Agora estou diante de Deus, e com a minha vida nas mãos. Feitas as escolhas de acordo com o Evangelho, este é o tempo de perguntar «O que fazer?», de empreender acções concretas que mudem o coração e convertam a vida.

De acordo com as etapas apresentadas, passo agora a exemplicar o funcionamento do percurso, a partir de uma rede de textos do Livro dos Actos dos Apóstolos: «a diaconia do apostolado» (Act 1,21-22.25), que reclama «a Ascensão e a Vinda» do SENHOR JESUS (Act 1,9-11), cenário a que estão agrafados «os primeiros ACTOS dos Apóstolos» (Act 3,1-10; 14,8-10), respectivamente de Pedro e de Paulo, em mundo judeu e em mundo pagão.

II. DIACONIA DO APOSTOLADO, ASCENSÃO E VINDA DO SENHOR
E OS PRIMEIROS ACTOS DOS APÓSTOLOS


1. Leitura
Aquando da escolha de Matias para «a diaconia (ou serviço) do apostolado» (hê diakonía tês apostolês) abandonada por Judas (Act 1,25), Pedro pronuncia estas palavras indicativas:

«21É necessário (deî), pois, que, dos homens que vieram connosco (synérchomai) durante todo o tempo em que entrou e saiu à nossa frente o SENHOR JESUS, 22tendo começado desde o Baptismo de João até ao dia em que ELE foi arrebatado (anelêmphthê)7 diante de nós, um destes se torne connosco testemunha da sua Ressurreição» (Act 1,21-22).


Nas palavras de Pedro, «o serviço do apostolado», que consiste em tornar-se testemunha da Ressurreição do SENHOR JESUS, requer, de todos aqueles que a ele se venham a dedicar, três condições fundamentais: 1) ter feito todo o caminho connosco, e sempre atrás do SENHOR JESUS; 2) atrás do SENHOR JESUS traduz a atitude do discípulo: sempre com o Mestre; nunca, porém, à frente do Mestre, mas seguindo-O sempre de perto no caminho; 3) o caminho tem um começo e um termo assinalados, sempre com referência ao Mestre: desde o Baptismo d’Ele até ao dia do Arrebatamento d’Ele diante de nós.

Fixemo-nos no termo do caminho, na Ascensão do SENHOR JESUS diante de nós. O texto, sóbrio e limpo, do Livro dos Actos, diz assim:

«9E estas coisas tendo dito, vendo (blépô) eles, ELE foi Elevado (epêrthê) , e uma nuvem O subtraiu (hypolambáno) dos olhos deles (apò tôn ophthalmôn autôn). 10E como tinham o olhar fixo (atenízontes) no céu para onde ELE ia, eis (idoú)9 dois homens que estavam ao lado deles, em vestes brancas, 11e DISSERAM: “Homens Galileus, por que estais de pé, perscrutando (emblépontes) o céu? Este JESUS que foi arrebatado (analêmphtheís)10 diante de vós para o céu, assim VIRÁ (eleúsetai) do modo (trópos) que O vistes (etheásthe) IR para o céu”» (Act 1,9-11).


Impressionante condensado de OLHARES. Seis notas visuais soam no texto. Tanto VER sucede a um telegráfico aceno ao dizer: «Estas coisas tendo dito». Referia-se o narrador àquilo que o SENHOR JESUS lhes tinha dito durante uma refeição: que não se afastassem de Jerusalém, que esperassem a promessa do Pai, o Baptismo do Espírito Santo (Act 1,4-5), e assim seriam testemunhas d’Ele em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até aos confins da terra (Act 1,8). Dizer testamentário e programático numa refeição testamentária e programática11 .

Tanto VER. Da panóplia de verbos registrados (blépô, atenízô, horáô, emblépô, theáomai), os mais fortes e intensos são, com certeza, atenízô [= «olhar fixamente»]12 e emblépô [= «perscrutar», «ver dentro»]. Ambos exprimem a observação profunda e prolongada, para além das aparências: VER o invisível (cf. Hb 11,27), VER o céu, VER a glória de Deus13 . Mas mais ainda do que o que se vê, estes verbos acentuam o modo como se vê14 .
É para aí que apontam os dois homens vestidos de branco, de rompante surgidos na cena, para entregar um importante DIZER que interpreta e orienta tanto VER. Já os tínhamos encontrado no túmulo reorientando os olhos entristecidos das mulheres: «Por que (tí) procurais entre os mortos Aquele que está Vivo? Não está aqui. Ressuscitou!» (Lc 24,5-6). Dizem agora: «Por que (tí) estais de pé, perscrutando (emblépontes) o céu? Este JESUS que foi arrebatado (analêmphtheís) diante de vós para o céu, assim VIRÁ (eleúsetai) do modo (trópos) que O vistes (etheásthe) IR para o céu» (Act 1,11).
Ao Arrebatamento de JESUS para o céu, os dois homens vestidos de branco agrafam a Vinda de JESUS. Importante colagem da Ascensão com a Vinda. E importante passo em frente para quem estava ali simplesmente especado. Não é mais possível Ver a Ascensão sem Ver a Vinda. Sim, Ver. Porque ELE Virá do mesmo modo que O Vistes IR. Importante guardar este Ver, viver este Ver, Ver com este Ver. Porque é Vendo assim que o SENHOR Virá. Vinda que não tem de ser relegada para uma Parusia distante e espectacular, mas que começa, hic et nunc, neste Olhar novo e significativo de quem Vê o SENHOR JESUS. Vinda que não é tanto um regresso, mas o desvelamento de uma presença permanente15 . Vinda já em curso, portanto, ainda que não plenamente realizada16 .
Quando atrás Pedro elencava as condições requeridas e necessárias para alguém se poder dedicar ao «serviço do apostolado», tornando-se connosco testemunha da Ressurreição do SENHOR JESUS, víamos que era preciso ter feito connosco e atrás do Mestre o caminho que vai desde o Baptismo d’ELE até ao dia do Arrebatamento d’ELE diante de nós. Podemos ser agora mais precisos naquilo que ao termo deste caminho diz respeito. Já não se trata apenas de dar testemunho do Senhor Ressuscitado e Elevado ao céu, mas de dar testemunho do Senhor Ressuscitado e Elevado ao céu e que Vem no mistério do Olhar dos seus Apóstolos17 .

Guardemos este Olhar e prossigamos. Eis-nos no primeiro ACTO propriamente dito dos Actos dos Apóstolos depois do Pentecostes: a cura de um coxo de nascença descrita em Act 3,1-10:

«1Então Pedro e João subiam ao Templo para a oração da hora nona18 . 2E um certo homem, que era coxo (chôlós) desde o ventre da sua mãe, era trazido e posto todos os dias diante da Porta do Templo, dita a Bela19 , para pedir esmola àqueles que entravam no Templo. 3Vendo (idôn) Pedro e João, que estavam a entrar no Templo, pedia esmola para receber. 4Então, fixando o olhar (atenísas) nele, Pedro, com João, disse: “Olha para nós” (blépson eis hemâs). 5Então ele observava-os (epeîchen), esperando receber deles alguma coisa. 6Disse então Pedro: “Prata e ouro não tenho, mas o que tenho, isso te dou: no nome de JESUS CRISTO, o Nazareno, [levanta-te e] caminha. 7E, tomando-o pela mão direita, levantou-o. Imediatamente se firmaram os seus pés e os calcanhares. 8Com um salto, pôs-se em pé, e caminhava, e entrou com eles no Templo caminhando e saltando e louvando a Deus. 9E todo o povo o viu (eîden) a caminhar e a louvar a Deus. 10E reconheciam que era aquele que, sentado, pedia esmola à Porta Bela do Templo, e ficaram cheios de admiração e de assombro por aquilo que lhe aconteceu» (Act 3,1-10).


Outro impressionante condensado de olhares marca este primeiro ACTO dos Actos dos Apóstolos. Soam no texto cinco notas visuais, servidas por quatro verbos: horáô, atenízô, blépô, epéchô. Atenízô desenha o Olhar de Pedro e João fixado no coxo de nascença. Blépô retrata o Ver com que o coxo é mandado olhar o Olhar dos Apóstolos.
Significativo agrafo: estes dois Olhares, com atenízô e blépô, só tinham sido usados antes, no Livro dos Actos dos Apóstolos, uma única vez, precisamente no relato da Ascensão (Act 1,9-10)20 . De resto, blépô conhecerá apenas mais quatro menções no Livro dos Actos dos Apóstolos: duas no relato da vocação de Paulo (Act 9,8-9), a terceira no discurso de Paulo na sinagoga de Antioquia da Pisídia (Act 13,41; cit. de Hab 1,5), e a quarta e última no decurso da viagem marítima de Paulo para Roma (Act 27,12). Atenízô, por sua vez, far-se-á notar em lugares de relevo, sempre para expressar um Ver novo e significativo, um Ver sem haver: os membros do Sinédrio fixam os olhos (atenízô) em Estêvão, e vêem-no semelhante a um anjo (Act 6,15); Estêvão, por sua vez, fixa os olhos (atenízô) no céu, e vê a glória de Deus e JESUS, de pé, à direita de Deus (Act 7,55); Cornélio fixa os olhos (atenízô) no anjo do Senhor, que o interpela (Act 10,4); Pedro fixa os olhos (atenízô) na visão, vinda do céu, dos animais impuros (Act 11,6); Paulo fixa os olhos (atenízô) no mago Elimas, de Chipre, para o fulminar pela sua falsidade e malícia (Act 13,9), e o mesmo faz no Sinédrio, dando testemunho de JESUS (Act 23,1).
É este Ver JESUS, Ver sem haver, sem poder, sem ouro nem prata (Act 3,6), que se fixa sobre o coxo de nascença, mandado, por sua vez, olhar para este Olhar, Ver desta maneira. Como Abraão e Moisés, convidados a Ver para receber, e não para haver21 , a Terra Prometida: «a terra que Eu te farei Ver» (Gn 12,1), «que YHWH lhe fez Ver» (Dt 34,1), «Eu a fiz Ver aos teus olhos» (Dt 34,4). O narrador anota mais à frente que o coxo de nascença, agora curado, tinha mais de 40 anos (Act 4,22), tipologia do povo perdido no deserto antes de entrar na Terra Prometida22 . Como o homem doente havia 38 anos, que Jesus encontra junto da piscina de Bezetha, e que será curado (Jo 5,1-9)23 .
Um Olhar cheio de JESUS faz Ver JESUS. É este o Ver dos Apóstolos. Sem poder, sem ouro nem prata. É neste novo Ver que o coxo de nascença entra. Mas ali mesmo ao lado, o povo disperdia o olhar. Fixava os olhos (atenízô) nos pretensos poderes de Pedro e João (Act 3,12), não em JESUS. Pedro corrige esses olhares, apontando JESUS como Aquele que curou o coxo de nascença (Act 3,12-16).

É sintomático que o Ver da Ascensão e da Vinda do SENHOR JESUS seja o Ver que preenche por inteiro o primeiro ACTO dos Actos dos Apóstolos, com realce para Pedro.
Mas é ainda grandemente sintomático que o primeiro ACTO de Paulo, descrito em Act 14,8-10, que é também o primeiro passo da missão perante o paganismo popular24 , em Listra, quase copie o primeiro ACTO dos Apóstolos e de Pedro, certamente com o intuito de pôr em paralelo os dois grandes Apóstolos e os dois tempos da missão25 . Eis o texto referido de Act 14,8-10:

«8E em Listra um homem estava sentado, sem força nos pés, coxo desde o ventre da sua mãe, e que nunca tinha andado. 9Este ouviu falar Paulo, o qual, tendo fixado os olhos (atenísas) nele, e tendo visto que tinha fé para ser salvo, 10diz com voz forte: “Levanta-te direito sobre os teus pés!” E ele deu um salto e caminhava» (Act 14,8-10).


Aqui temos o mesmo coxo de nascença, o mesmo Olhar significativo e diaconal, sem poder, sem ouro nem prata, Ver JESUS, o mesmo levantamento do coxo. E também aqui, na sequência do texto, temos o aceno à multidão que disperdia o olhar, vendo em Paulo e Barnabé deuses em forma humana, e a mesma correcção, feita por Paulo, apontando JESUS (Act 14,11-18).

2. Meditação
Todos reunidos com os olhos fixos no céu,/ Pedro e João, Paulo e Barnabé, com os olhos fixos num coxo de nascença,/ o caminho feito com JESUS, seguindo JESUS, desde o Baptismo d’ELE até ao dia do Arrebatamento d’ELE com a Vinda d’ELE./ Andar COM ELE, para aprender a viver COM ELE, COMO ELE, dando testemunho d’ELE./ Ver e testemunhar o SENHOR Ressuscitado, vivo e actuante no meio de nós./ Vendo o SENHOR Ressuscitado, Ver também o irmão necessitado./ Ver como quem anuncia a Sua presença vivificante e sanadora./ Um Olhar livre e libertador, não enviesado nem enfezado nem indiferente, invejoso, rancoroso ou ciumento./ Sem preconceitos./ Um Olhar frontal, limpo, atencioso e carinhoso./ Um Olhar de graça, recebida e dada./ Um Olhar diaconal, novo e significativo, recebido, um Olhar testemunhal, em primeira pessoa, que anuncia a todos e em toda a parte: «VI o SENHOR» (Is 6,1; Jo 20,18)./ O «serviço do apostolado», gratuito e humilde e dedicado./ A dádiva da cura ao coxo de nascença, marginalizado, posto à porta, que entra finalmente em Casa, na Casa da comunhão e do louvor.

3. Contemplação
Vi o SENHOR./ Mas sou sempre primeiro Visto pelo SENHOR, que me chama a segui-l’O: «Vinde e Vede» (Jo 1,38-39)./ Eu sou, talvez, coxo ou cego ou rico de nascença./ Mas ELE, vendo dentro de mim (emblépô), ama a miséria que há em mim, a riqueza que há em mim, a mentira que há em mim, o orgulho que há em mim, a violência que há em mim, a indiferença que há mim, e interpela-me, dizendo: «Uma coisa te falta: vai, quanto tens vende, e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu, e depois segue-me» (Mc 10,21)./ Obrigado, SENHOR, pelo caminho novo que me apontas sempre./ Tu és o Caminho.

4. Oração
«Vem, Senhor Jesus!»/ Que o teu Olhar incendeie o meu olhar./ Que eu Veja como Tu me vês./ Que o meu Olhar, agraciado pelo Teu Olhar de Graça e de Bondade, seja também um Olhar agraciador, para que eu Te saiba levar aos meus irmãos./ Cria em mim, SENHOR, um coração novo, um espírito novo, um Olhar novo que ilumine todos os meus ACTOS, e que os meus ACTOS anunciem a Tua Vinda, isto é, revelem e desvelem a tua presença./ Comprometi-me a seguir o Teu caminho todo, mas ainda me desvio muitas vezes dos mais pobres./ Ainda me desvio muitas vezes da alegria e do amor verdadeiros, sem retorno, e ainda me perco tantas vezes à procura de outras consolações e seguranças.

5. Consolação
Mas Tu és o Consolador que nunca falta./ Sei que estás comigo também nos momentos mais difíceis da minha vida./ Olhas para mim, chamas por mim, interpelas-me, levantas-me, às vezes sacodes-me./ Quiseste ficar sempre connosco e comigo./ Ficarei contigo para Ver melhor o Teu Olhar e ouvir melhor a Tua voz./ Para Ver melhor os meus irmãos e ouvir melhor a sua voz./ Até que a maldade caia, como escamas, dos meus olhos e do meu coração./ Até que em mim haja só Bondade e benevolência e mansidão./ Então, sim, Tu serás o SENHOR da minha vida./ De forma transparente, o meu Olhar deixará então passar o Teu Olhar consolador, que cura os meus irmãos, e o louvor do Teu Nome ouvir-se-á maior e mais puro.

6. Discernimento
Aí tens, SENHOR, a minha vida aberta e disponível./ Bem sei que os meus olhos estão muitas vezes cheios de ganância, luxúria, inveja, ciúme, coisas de ouro e prata, a que S. Paulo chama lixo (Fl 3,8)./ Conheço a história da trave e do argueiro (Mt 7,1-5)./ Bem sei que muitas vezes vejo mal, e de lado, e à pressa, os meus irmãos./ Bem sei que muitas vezes vejo com um olhar patronal, e não diaconal./ Bem sei também que os meus olhos devem estar cheios de Ti, SENHOR, e atentos carinhosamente aos meus irmãos.

7. Deliberação
Cheio de mim ou cheio de Ti?/ Estou no centro das atenções ou sei orientar todos os olhares para Ti?/ Conheço-Te e celebro-Te e dou testemunho da Tua Ressurreição?/ Os meus ACTOS anunciam a Tua Vinda, isto é, revelam e desvelam a Tua presença permanente?/ Ou será que o meu olhar é mau porque Tu és Bom? (Mt 20,15; cf. Ecli 14,9-10)/ Por que é que eu tenho tão poucos (ou nenhuns) encontros CONTIGO marcados na minha agenda?/ O que faço eu com o relógio na mão o dia inteiro?/ Por que corro tanto e para onde corro tanto?/ Debruço-me com amor, e com tempo, sobre os meus irmãos abandonados à beira do caminho ou postos à entrada da porta?

8. Acção
Hoje ouvi a Tua palavra, SENHOR./ Hoje Vi o Teu rosto, o Teu Olhar intenso e penetrante./ Vou dizer e testemunhar aos meus irmãos, aos Teus irmãos, que Tu nos precedes sempre, nos presides sempre./ «Ai de mim se não anunciar o Evangelho!» (1 Cor 9,16)./ Ai de mim se não relatar a Tua história com a minha vida, para que se revele e se desvele a Tua presença salvadora no meio de nós./ Vem, SENHOR JESUS, nos meus humildes ACTOS de Hoje!

P. António Couto

NOTAS
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[1] Acerca desta metodologia, ver C. M. MARTINI, Nel sabato del tempo. Discorsi, interventi, lettere e omelie 2000, Bolonha, Dehoniane, 2001, p. 233-235.

[2] Ver, a propósito, A. GRÜN, In cammino. Una teologia del peregrinare, Pádua, Messaggero, 2005, p. 48-51.

[3] F. ROSENZWEIG, La stella della redenzione, Génova, Marietti, 3.ª impressão da 2.ª edição, 1998, p. 288; C. DI SANTE, Vedere con gli ochi della Bibbia. Temi di spiritualità, Turim, Elle Di Ci, 1999, p. 77-78.

[4] P. BEAUCHAMP, Parler d’Écritures Saintes, Paris, Seuil, nova impressão, 2003, p. 39.

[5] Esta página de 2 Cor 1,3-7 contém dez menções do termo paráklêsis, sendo por isso um dos passos mais significativos da «consolação» no NT. Veja-se, por exemplo, M. J. HARRIS, The Second Epistle to the Corinthians. A Commentary on the Greek Text, Grand Rapids, Eerdmans, 2005, p. 139-150.[6] Ch. AUGRAIN, Consoler, in X. LÉON-DUFOUR (ed.), Vocabulaire de Théologie Biblique, Paris, Cerf, 8.ª ed., 1995, col. 208-210.

[7] Aoristo passivo de analambánô.

[8] Aoristo passivo de epaírô.

[9] Imperativo aoristo médio de horáô, usado como partícula demonstrativa. E. G. JAY, New Testament Greek. An Introductory Grammar, Londres, 11.ª impressão da primeira edição (1958), 1983, p. 246.

[10] Particípio aoristo de analambánô.

[11] Ph. BOSSUYT, J. RADERMAKERS, Témoins de la Parole de la Grâce. Lecture des Actes des Apôtres. 2. Lecture continue, Bruxelas, Éditions de l’Institut d’Études Théologiques, 1995, p. 109; J. ROCHETTE, Regard et guérison, présence nouvelle du Christ à son Église dans la «diaconie de l’apostolat» (Act 1,25), in Nouvelle Revue Théologique, 125, 2003, p. 211.

[12] O verbo atenízô é de cariz muito lucano. De facto, encontra-se 14 vezes no NT, das quais 12 vezes em Lucas, 02 no Evangelho e 10 nos Actos dos Apóstolos. G. ROSSÉ, Atti degli Apostoli. Commento esegetico e teologico, Roma, Città Nuova, 1998, p. 176, nota 25.

[13] D. ELLUL, Actes 3/1-11, in Études Théologiques et Religieuses, 64, 1989, p. 97; R. STRELAN, Strange Stares: atenizeîn in Acts, in Novum Testamentum, 41, 1999, p. 235-255.

[14] J. ROCHETTE, Regard et guérison, p. 212.

[15] Ph. BOSSUYT, J. RADERMAKERS, Témoins de la Parole de la Grâce, II, p. 121.

[16] Ph. BOSSUYT, J. RADERMAKERS, Témoins de la Parole de la Grâce, II, p. 123-124.

[17] J. ROCHETTE, Regard et guérison, p. 213.

[18] 15 horas. Hora da Morte de Jesus (Lc 23,44) e do “holocausto perpétuo” (tamîd) da tarde (Ex 29,39-42), em que se faz a oração da “oferta” (minhah). Ph. BOSSUYT, J. RADERMAKERS, Témoins de la Parole de la Grâce, II, p. 163, e nota 149.

[19] Trata-se certamente da porta que dava acesso do átrio dos gentios para o átrio das mulheres, e não da chamada porta de Nicanor, que dava acesso do átrio das mulheres para o átrio de Israel. Ph. BOSSUYT, J. RADERMAKERS, Témoins de la Parole de la Grâce, II, p. 163.

[20] J. ROCHETTE, Regard et guérison, p. 215.

[21] A. WÉNIN, Abraham: élection et salut. Réflexions exégétiques et théologiques sur Genèse 12 dans son contexte narratif, in Revue théologique de Louvain, 27, 1996, p. 10-11.

[22] Ph. BOSSUYT, J. RADERMAKERS, Témoins de la Parole de la Grâce, II, p. 164.

[23] J. L. SKA, La strada e la casa. Itinerari biblici, Bolonha, Dehoniane, 2001, p. 190-191.

[24] G. ROSSÉ, Atti degli Apostoli, p. 537.

[25] Ph. BOSSUYT, J. RADERMAKERS, Témoins de la Parole de la Grâce, II, p. 424-426; J. R