O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

21.4.07

III Domingo da Páscoa


III Domingo da Páscoa
Ano C
Jo. 21, 1-19

Hoje lemos o capitulo 21 do Evangelho de João, uma espécie de apêndice a todo o evangelho. Nos dias sucessivos à Páscoa, Pedro toma a iniciativa de ir pescar, acção simbólica que alude à missão: o discípulo amado, como os outros cinco que estão com Pedro na margem do lago de Tiberíades, concordam com a sua decisão e acompanham-no. A barca da igreja lança-se ao largo e Pedro condu-la sobre águas profundas, como o tinha feito anteriormente sob ordem de Jesus (cf. Lc 5,4). «Mas naquela noite não apanharam nada»: não basta que seja Pedro a guiar a pesca, é preciso que esteja também o Senhor. «Sem mim nada podereis fazer» (Jo 15,5) tinha dito Jesus e agora na sua ausência a pesca é vã…

Jesus ressuscitado está na realidade presente sobre a margem do lago, mas os discípulos não sabem reconhece-lo, pois estão ainda envolvidos pelas trevas da incredulidade. Vendo a sua pesca infrutífera, Jesus dirige-lhes a palavra que os reenvia aos inícios da vocação: «lançai as redes pelo lado direito da barca e encontrareis». Eles obedecem de imediato ao seu comando, com o resultado que «não podem sequer arrastar as redes pela grande quantidade de peixes». É então que o discípulo amado grita: «É o Senhor!». Ouvida esta confissão de fé emanada por um coração que ama, Pedro sente-se invadido de vergonha e cingindo-se com as roupas para cobrir a sua nudez, lança-se à água, enquanto os outros chegam à margem de barco. «Descidos em terra, viram o fogo de brasas com os peixes em cima e o pão». Se bem que os tenha precedido, Jesus pede aos discípulos para partilharem com ele o fruto da sua pesca: 153 grandes peixes, tantos quantos eram as espécies conhecidas na altura, para indicar a universalidade da igreja. E no entanto a rede não se rompe, como a túnica de Cristo não tinha sido lacerada pelos soldados no momento da crucifixão (cf. Jo 19, 23-24)…

No fim da refeição no qual Jesus se tinha feito novamente servo dos seus discípulos, ele se dirige a Pedro chamando-o com o nome que este tinha antes da vocação, ao qual tinha tornado depois de o ter renegado. E o faz colocando-lhe uma precisa pergunta: «Simão de João, tu amas-me mais que todas as coisas?». Por três vezes Pedro tinha negado conhecer Jesus e agora por três vezes o Senhor o interroga, a ponto de Pedro, triste por esta insistência, lhe responder: «Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que te amo!». É o transbordar de um coração ferido, semelhante ao pranto amargo recordado pelos evangelhos sinópticos na noite da traição (cf. Mc 14, 72), mas aqui unido a uma confissão de amor. O Ressuscitado então reabilita-o, chamando-o por três vezes a apascentar as suas ovelhas: a negação é envolvida em misericórdia, e Simão torna a ser Pedro, a Rocha da Igreja.

Jesus revela depois a Pedro o futuro que o espera, reconduzindo-se a algumas palavras pronunciadas no decorrer da ultima ceia. Durante o lava pés ele tinha-lhe dito: «Tu agora não percebes, mas perceberás depois» (Jo 13, 7) e ainda: «Para onde eu vou, de momento tu não me podes seguir; seguir-me-ás mais tarde» (Jo 13, 36). Finalmente chegou o momento de desvelar a hora e o modo deste seguimento: «quando eras mais novo cingias-te sozinho e ias para onde querias; mas quando fores mais velho um outro te cingirá e te levará para onde tu não queres». Sim, Pedro glorificará Deus aceitando ser conduzido lá onde não teria querido: ao martírio, quando versar o sangue para atestar a sua fidelidade a Cristo… E assim ressoa para ele uma vez mais o chamamento original do Senhor: «Segue-me!».

Estas páginas que encerram o quarto evangelho são páginas preciosas, porque revelam que a Igreja nasce plural, é por sua própria natureza uma comunhão plural. Estas duas figuras complementares, Pedro e João, recordam-nos que na comunhão da única igreja de Deus é necessário reconhecer a pluralidade de tradições diversas, todas porém orientadas para o único Senhor: é esta a condição para que a missão seja frutuosa! Nunca o esqueçamos: já dentro dos evangelhos a unidade da igreja é plural, assim como diversos são os dons e os chamamentos, mas único é o Senhor (cf. 1 Cor 12,4-6).

Enzo Bianchi
Prior de Bose
[trad: MRO]