Simpósio do Clero em Fátima: memória do percurso
Dia 6 de Setembro: 2º dia de Simpósio
O segundo dia considerou a pertinência antropológica da confissão do Deus uno e trino, o mesmo é dizer, se tem algum conteúdo esta confissão e como será possível reconstruir esse conteúdo. Para tal foi mostrado como é imprescindível ultrapassar quer o formalismo kantiano (que justifica apenas com base no dever) quer o contextualismo relativista cultural (que justifica conforme as circunstâncias) para poder dar um conteúdo à confissão da fé no Deus triuno e só assim adquirir relevância pragmática essa mesma confissão, pois é isto precisamente o que pretende oferecer o cristianismo enquanto proposta de sentido e de significabilidade para a vida concreta do sujeito histórico. Com isto pretendeu mostrar-se como o conteúdo da nossa acção contém uma relação analógica à Trindade, pois só assim a própria confissão trinitária assume um significado fundamental de relação analógica com o nosso esforço de construção da comunhão. Ora, se a compreensão analógica da realidade ensina que a verdade só o é ela mesma por relação a outra realidade, isto significa que o acesso à verdade da comunhão trinitária poder ser mostrado como não sendo nem uma quimera nem auto-construído pela imaginação efabulante do sujeito crente, mas antes é uma verdade analogicamente confessada porque percebida e recebida. Esta recepção é uma alternativa credível a um processo unívoco e/ou equívoco instaurando uma analogia dialógica entre o Criador e a criatura. Por aí, a analogia trinitária permite participar na comunhão trinitária, permite conhecer Deus como uno e trino, isto é, como comunhão.
Esta participação acompanha a realidade da comunhão eclesial. O conceito de mistério resulta aqui como apropriado na medida em que posso conhecer algo desse mistério. Só assim posso afirmar a Igreja como sacramento do mistério de Deus. É necessário conhecer algo desse mistério para poder mostrá-lo. Então a Igreja só é mistério de comunhão trinitária se eu puder conhecer algo desse mistério comunional, se for possível dar-lhe algum conteúdo. A possibilidade reside na própria possibilidade da relacionalidade como conceito credível para a teologia trinitária, pois ela define o ser de Deus enquanto amor de relação. Esta relação pressupõe, como qualquer relação, a diferença. Aplicada à Trindade implica uma relação de actividade e outra de passividade, a primeira enquanto doação fundamental de ser e a segunda enquanto recepção desse mesmo ser. Deus é recepção e doação. O seu ser é definido a partir da relação a Alguém no seu próprio ser, o Filho. Foi salientada a importância desta concepção para a própria definição da Igreja como sacramento e sinal de comunhão onde é experimentada a comunhão eclesial também na sua modalidade presbiteral. O ser é ser a partir de alguém e ser para alguém. Isto constitui a essência do próprio Deus triuno, e de ambos movimentos brota analogicamente a identidade da criatura. Esta existência configura-se assim no respectivo momento kenótico. É possível deste modo fugir a dois perigos: a tentação da gnose eclesial dos grupos que se fechem em si mesmos porque pensam que são perfeitos e conhecem perfeitamente o mistério, e o perigo de uma visão exteriorizada da Igreja apenas como enviada ao mundo. O primeiro perigo consiste na sectarização e no individualismo (riscos permanentes das comunidades eclesiais) daqueles que se consideram os salvos ou os eleitos. O segundo perigo conduz ao activismo ou à perda da identidade na desfiguração de uma mundanização da Igreja na qual ela perde o seu centro e deixa de viver a partir do seu centro para passar a viver a partir apenas do mundo (ab extra). A Igreja perderia assim o seu sentido se perdesse o objectivo que é construir a comunhão. Mas é um facto, como foi notado, que a Igreja não se pode fechar sobre si mesma. À imagem da Trindade ela procede de uma missão em relação ao Outro e aos outros, o que indica como a comunhão eclesial é uma diálogo não só na origem mas também de destino, a partir do Outro e para o Outro, em relação aos outros e para os outros. A comunhão eclesial de que o presbítero participa é construída na relação a partir de Deus (ab intra) e na relação a partir do Filho (ab extra) tornando-a numa relação ex-cêntrica (a partir do centro) e para o centro. Foi salientado como esta relação de ex-centricidade se constitui como uma relação diferenciadora que supera a lógica da uniformização segundo a lógica do poder ou da indiferença segundo a lógica da anarquia. Foram aqui evocados os perigos do puritanismo e do sectarismo quando não é respeitada esta relação diferenciadora que está na medula da própria comunhão eclesial. No entanto, no outro pólo, não foi esquecida a própria natureza teândrica da Igreja enquanto esta não exime destes riscos, pois ela está construída na dramaticidade do tempo e nas perturbações dos limites da humana condição, o que condiciona naturalmente a participação na comunhão trinitária. De facto, não se pode deixar de ter presente o carácter ambíguo do mundo que constitui a própria Igreja, o que a diferencia da própria relação analógica da Trindade.
Neste quadro, foram apenas evocados alguns pólos de relação do presbítero: uma relação filial ao bispo através de uma história de tradição que o liga a uma relação de origem e de destino, relação à comunidade eclesial numa missão de paternidade ou de maternidade, relação polarizada no seio das pessoas ou dos grupos da própria comunidade, relação vivida nas próprias comunidades representadas no presbítero, relação a toda a comunidade humana, e relação com a Igreja de Roma e o respectivo Bispo e nela com a Igreja universal.
Estes pólos e esta analogia constituem o ponto de partida com que Enzo Bianchi reflectiu o ser presbiteral como comunhão em si mesmo. Adoptou os conceitos de fraternidade e de sinodalidade para ultrapassar os perigos da colegialidade enquanto perigo de corporativismo. O conceito de sinodalidade permite pensar a Igreja como caminho conjunto em que todos são um só corpo em Cristo. Este conceito ajuda a pensar o presbítero como não dependente do bispo, pois ambos possuem a mesma missão. Foi pedida aos bispos uma maior audição dos presbíteros decorrente desta comum missão de sinodalidade, de construção de um caminho conjunto. Recordou-se neste contexto que o governo da Igreja não se pode sobrepor à vida comungada com os presbíteros, pois estes devem ser a primeira preocupação para os bispos. Foi também avisado como a vida em comunhão não é nem romântica nem idílica (como por vezes o discurso parece fazer crer), mas comporta sacrifícios, fatiga, dedicação e paciência. Este esforço passa por viver uma nota peculiar do cristianismo – viver o amor antes do conhecimento – amar o outro antes de o conhecer como forma radical de comunhão com o outro que para mim é um dom de Deus. Os presbíteros poderão então construir novas formas de vida em comum, em comunhão, em comum união. Mas Enzo Bianchi, ainda que tenha pedido que estas formas não sejam monacalizadas, não deixa de pensar nesse modelo que ele próprio vive. Assim, propôs a constituição de unidades operativas de várias paróquias, também chamadas unidades pastorais, o que ajudará a superar o individualismo moderno, a autarquia paroquial ou presbiteral bem como o medo destas novas realidades, onde será possível respeitar a própria humanidade dos presbíteros.
A realização prática destes objectivos avaliou a realidade dos conselhos paroquiais e dos conselhos presbiterais. Foi notada a desilusão perante a situação presente dos mesmos, mas não deixaram de ser pensados na respectiva origem como organismos de comunhão e de corresponsabilidade, e não como sindicatos, montras, adereços, ou espaços para fazer funcionar ou obter uma maioria. São espaços de teste da própria comunhão eclesial. Foram apresentados casos particulares. Por eles foi salientada a necessidade da paciência, da boa preparação dos mesmos, da exigência de serem espaços intelectualmente habitáveis e eticamente responsáveis onde é possível a contínua negociação e onde a comunidade cristã é construída. Por isso, não são meros órgãos consultivos. São espaço privilegiado de concertação que não deve tanto fazer mas pensar a consciência crítica e o modelo morfológico da comunidade.
Esta participação acompanha a realidade da comunhão eclesial. O conceito de mistério resulta aqui como apropriado na medida em que posso conhecer algo desse mistério. Só assim posso afirmar a Igreja como sacramento do mistério de Deus. É necessário conhecer algo desse mistério para poder mostrá-lo. Então a Igreja só é mistério de comunhão trinitária se eu puder conhecer algo desse mistério comunional, se for possível dar-lhe algum conteúdo. A possibilidade reside na própria possibilidade da relacionalidade como conceito credível para a teologia trinitária, pois ela define o ser de Deus enquanto amor de relação. Esta relação pressupõe, como qualquer relação, a diferença. Aplicada à Trindade implica uma relação de actividade e outra de passividade, a primeira enquanto doação fundamental de ser e a segunda enquanto recepção desse mesmo ser. Deus é recepção e doação. O seu ser é definido a partir da relação a Alguém no seu próprio ser, o Filho. Foi salientada a importância desta concepção para a própria definição da Igreja como sacramento e sinal de comunhão onde é experimentada a comunhão eclesial também na sua modalidade presbiteral. O ser é ser a partir de alguém e ser para alguém. Isto constitui a essência do próprio Deus triuno, e de ambos movimentos brota analogicamente a identidade da criatura. Esta existência configura-se assim no respectivo momento kenótico. É possível deste modo fugir a dois perigos: a tentação da gnose eclesial dos grupos que se fechem em si mesmos porque pensam que são perfeitos e conhecem perfeitamente o mistério, e o perigo de uma visão exteriorizada da Igreja apenas como enviada ao mundo. O primeiro perigo consiste na sectarização e no individualismo (riscos permanentes das comunidades eclesiais) daqueles que se consideram os salvos ou os eleitos. O segundo perigo conduz ao activismo ou à perda da identidade na desfiguração de uma mundanização da Igreja na qual ela perde o seu centro e deixa de viver a partir do seu centro para passar a viver a partir apenas do mundo (ab extra). A Igreja perderia assim o seu sentido se perdesse o objectivo que é construir a comunhão. Mas é um facto, como foi notado, que a Igreja não se pode fechar sobre si mesma. À imagem da Trindade ela procede de uma missão em relação ao Outro e aos outros, o que indica como a comunhão eclesial é uma diálogo não só na origem mas também de destino, a partir do Outro e para o Outro, em relação aos outros e para os outros. A comunhão eclesial de que o presbítero participa é construída na relação a partir de Deus (ab intra) e na relação a partir do Filho (ab extra) tornando-a numa relação ex-cêntrica (a partir do centro) e para o centro. Foi salientado como esta relação de ex-centricidade se constitui como uma relação diferenciadora que supera a lógica da uniformização segundo a lógica do poder ou da indiferença segundo a lógica da anarquia. Foram aqui evocados os perigos do puritanismo e do sectarismo quando não é respeitada esta relação diferenciadora que está na medula da própria comunhão eclesial. No entanto, no outro pólo, não foi esquecida a própria natureza teândrica da Igreja enquanto esta não exime destes riscos, pois ela está construída na dramaticidade do tempo e nas perturbações dos limites da humana condição, o que condiciona naturalmente a participação na comunhão trinitária. De facto, não se pode deixar de ter presente o carácter ambíguo do mundo que constitui a própria Igreja, o que a diferencia da própria relação analógica da Trindade.
Neste quadro, foram apenas evocados alguns pólos de relação do presbítero: uma relação filial ao bispo através de uma história de tradição que o liga a uma relação de origem e de destino, relação à comunidade eclesial numa missão de paternidade ou de maternidade, relação polarizada no seio das pessoas ou dos grupos da própria comunidade, relação vivida nas próprias comunidades representadas no presbítero, relação a toda a comunidade humana, e relação com a Igreja de Roma e o respectivo Bispo e nela com a Igreja universal.
Estes pólos e esta analogia constituem o ponto de partida com que Enzo Bianchi reflectiu o ser presbiteral como comunhão em si mesmo. Adoptou os conceitos de fraternidade e de sinodalidade para ultrapassar os perigos da colegialidade enquanto perigo de corporativismo. O conceito de sinodalidade permite pensar a Igreja como caminho conjunto em que todos são um só corpo em Cristo. Este conceito ajuda a pensar o presbítero como não dependente do bispo, pois ambos possuem a mesma missão. Foi pedida aos bispos uma maior audição dos presbíteros decorrente desta comum missão de sinodalidade, de construção de um caminho conjunto. Recordou-se neste contexto que o governo da Igreja não se pode sobrepor à vida comungada com os presbíteros, pois estes devem ser a primeira preocupação para os bispos. Foi também avisado como a vida em comunhão não é nem romântica nem idílica (como por vezes o discurso parece fazer crer), mas comporta sacrifícios, fatiga, dedicação e paciência. Este esforço passa por viver uma nota peculiar do cristianismo – viver o amor antes do conhecimento – amar o outro antes de o conhecer como forma radical de comunhão com o outro que para mim é um dom de Deus. Os presbíteros poderão então construir novas formas de vida em comum, em comunhão, em comum união. Mas Enzo Bianchi, ainda que tenha pedido que estas formas não sejam monacalizadas, não deixa de pensar nesse modelo que ele próprio vive. Assim, propôs a constituição de unidades operativas de várias paróquias, também chamadas unidades pastorais, o que ajudará a superar o individualismo moderno, a autarquia paroquial ou presbiteral bem como o medo destas novas realidades, onde será possível respeitar a própria humanidade dos presbíteros.
A realização prática destes objectivos avaliou a realidade dos conselhos paroquiais e dos conselhos presbiterais. Foi notada a desilusão perante a situação presente dos mesmos, mas não deixaram de ser pensados na respectiva origem como organismos de comunhão e de corresponsabilidade, e não como sindicatos, montras, adereços, ou espaços para fazer funcionar ou obter uma maioria. São espaços de teste da própria comunhão eclesial. Foram apresentados casos particulares. Por eles foi salientada a necessidade da paciência, da boa preparação dos mesmos, da exigência de serem espaços intelectualmente habitáveis e eticamente responsáveis onde é possível a contínua negociação e onde a comunidade cristã é construída. Por isso, não são meros órgãos consultivos. São espaço privilegiado de concertação que não deve tanto fazer mas pensar a consciência crítica e o modelo morfológico da comunidade.
Fátima 06-09-2006
José Carlos Carvalho (jcarvalho@porto.ucp.pt)
José Carlos Carvalho (jcarvalho@porto.ucp.pt)
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home