O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

9.9.06

Simpósio do Clero em Fátima: memória do percurso


Dia 5 de Setembro: 1º Dia do Simpósio

O primeiro dia foi dedicado sobretudo ao diagnóstico actual do contexto de actividade em que os presbíteros são chamados a realizar o seu ministério e vocação.
Uma das temáticas que provocou a organização deste encontro foi a do individualismo pós moderno reinante onde o sacerdote é desafiado a viver o contra ponto da comunhão. Neste cenário foi destacada a necessidade de conhecimento da cultura actual e dos avanços teológicos de forma a chegar ao interlocutor. Isto resulta do problema levantado pela chamada questão da linguagem na necessidade de atingir o interlocutor culturalmente dilacerado pela ruptura entre a cultura e a fé, se bem que esta constitua por si uma oportunidade para a própria fé. O nosso tempo está marcado pela mudança de alguns paradigmas de pensamento. Isto obriga a descodificar alguns conceitos e a recodificar novas linguagens que se tornam emergentes para chegarem a ser significativas e verdadeiras propostas de sentido. Tal é imprescindível em tempos de diasporização da fé e do cristianismo, processo este que acarreta por sua vez um processo inexorável de desumanização.
A questão nodal então consiste neste contexto em saber como se insere nesta cultura o anúncio que a Igreja faz. Esta questão assume uma pertinência cultural na medida em que somos filhos da modernidade da subjectividade sobretudo a partir de Kant, na qual o sujeito passou a determinar a referência central do conhecimento veritativo. A somar a isto, existe o fenómeno contemporâneo da secularização, horizonte em que o homem moderno surge enfraquecido nas suas convicções religiosas naturais criando-se um hiato entre Deus e o homem. Este hiato provocou a deriva de uma concepção completamente profana do mundo em que a experiência da liberdade se torna ainda mais ambígua e é mais sentido o eclipse de Deus. Perante esta erosão, relativizou-se o valor da vida e o sentido escatológico da mesma. Foram trazidos à colação consequentemente a nova semântica imanente dos conceitos de natureza e de homem. O outro pólo do triângulo em que se articula o pensamento necessariamente obriga a reflectir na própria imagem de Deus que as novas gerações estão a construir, sobretudo a imagem irénica de um Deus impessoal ou difuso. Foi salientada a técnica como a nova imagem tétrica de Medusa que mata os seus próprios filhos pois ela pretende no nosso tempo afastar a questão do limite. Este tabu produz a fragmentação do mistério da vida na ilusão de oferecer respostas ditas científicas ou técnicas para tudo. Foi salientado aqui como a vida para o homem pós moderno corre o risco de perder o seu mistério. Então, a subjectividade da modernidade traduz-se na substituição da razão pela emotividade como forma de compensação. Ora, o presbítero é hoje protagonista desta mudança epocal. Ao ser salientado como sofre também a influência deste ambiente, foi destacada a necessidade de redefinir (ou reafirmar) a respectiva identidade presbiteral eucarística na fidelidade crística da sua vocação única e unitiva imersa na encarnação do Filho. Isto ajudará à tarefa missionária de provocar hoje a tão esquecida (mas tão desejada) questão da transcendência nos nossos contemporâneos abertos ao mistério, a essa transcendência. Foi realçado como a identidade sacerdotal resulta da intimidade com Deus e da solidariedade aos irmãos, configurando-o como sinal indelével da misericórdia do perdão do Pai, sinal tão visível e desejado pelo nosso mundo, afinal, sinal esse outro do mistério.
Para ajudar a viver essa identidade, foi solicitada uma nova evangelização diante da globalização avassaladora onde se torna necessário aprender a trabalhar em rede, em comunhão inter presbiteral, aproveitando sinergias já constituídas. Isto ajudará a realizar outra tarefa muito importante em tempos de privatização da fé, a saber, a necessidade de uma maior visibilidade pública da presença dos presbíteros no meio do mundo onde levam a cabo a missão da profecia e da simpatia com esse mundo. Este encontro com o mundo incita à revisão também da própria pregação (acossada hoje por muitos outros comunicadores muito bem preparados) e ao inconformismo joanino com alguma cultura. Foi destacado como a própria vivência da comunhão dos presbíteros entre si será um meio para realizar esta missão. Mas ficou patente também como os pedidos que são dirigidos aos presbíteros resultam da inoperância de muitos intervenientes ou actores eclesiais com os quais os presbíteros constroem a comunhão eclesial, intervenientes esses que por vezes desconhecem o que já se vai fazendo ou têm de ser substituídos por demissão sua dessas tarefas.

Fátima 05-09-2006
José Carlos Carvalho (jcarvalho@porto.ucp.pt)