O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

13.1.07

II DOMINGO DO TEMPO COMUM

(Giotto, Bodas de Canã, Cappella degli Scrovegni, Pádua, sec. XIV)


Na festa da Epifania do Senhor a Igreja que não conhecia a divisão celebrava ao mesmo tempo a manifestação de Jesus aos Magos, isto é às gentes, a manifestação ao povo de Israel, com o Baptismo, e a manifestação de Jesus aos seus discípulos, com as Bodas de Canã. Este ano a liturgia faz-nos contemplar os três grandes mistérios na epifania e nos dois domingos sucessivos: por isso, antes de iniciar a escuta continuada da boa nova no Evangelho de Lucas, hoje paramos diante de uma página do quarto evangelho, «o início dos sinais operados por Jesus» no episódio acontecido em Canã da Galileia.

Segundo o quarto Evangelho, o evangelho outro com relação aos sinópticos, a actividade pública de Jesus começa com um «sinal», uma acção que, numa leitura superficial, pode aparecer-nos estranha. Em Canã, obscura aldeia da Galileia, celebra-se uma festa de matrimónio —que segundo os usos do tempo durava vários dias— na qual está presente a mãe de Jesus. Mais tarde chega Jesus com os seus discípulos. Mas quem são os esposos? Porque não se diz nada deles? Porque não intervêm? Este estranho silêncio é para nós um convite a compreender em profundidade a narração: trata-se de descodificar uma mensagem exposta em linguagem simbólica…

E então, no decorrer deste matrimónio começa a faltar o vinho, e isso ameaça gravemente a alegria convivial. A mãe de Jesus dirige-se a ele e diz-lhe: «Não têm vinho». Maria não pede nada, não impõe ao filho o que ele deve fazer; expõe simplesmente a situação, respeitando plenamente a sua liberdade e remetendo-se à sua iniciativa. Jesus reage de modo duro, parece até não reconhecer a ligação de sangue que existe entre si e sua mãe. Chama-a de «mulher», como se fosse para ele uma desconhecida, e distancia-se dela afirmando: «que há entre mim e ti?». Mas estas palavras adquirem um significado diverso para quem recorda que, no momento de iniciar a sua missão, Jesus tinha deixado já a casa e a mãe, formando com os seus discípulos uma nova família (cf. Mc 3,20-21.31-35)…

Depois Jesus acrescenta: «A minha hora ainda não chegou», palavra enigmática, antecipação de um outro tempo que virá, a sua «hora» (cf. Jo 12,23; 13,1; 17,1): aquela na qual através da sua morte e ressurreição serão celebradas as núpcias definitivas entre Jesus, o Esposo, e a humanidade inteira… A partir do dia das núpcias de Canã Jesus começa a caminhar ao encontro dessa hora e dá inicio ao seu caminho com um sinal eloquente. Sua mãe diz aos servos: «Fazei o que ele vos disser», mostrando-se totalmente obediente ao Filho e pedindo que a sua palavra seja escutada e realizada: e logo a água que estava em algumas ânforas para um ritual de purificação se muda em vinho abundante. E então é possível a festa plena, o início do tempo de noivado entre Jesus e a sua comunidade, a sua esposa (cf. 2Cor 11,2; Ef 5,31-33), profecia das suas núpcias com toda a humanidade… Por isso o evangelista comenta que com aquele primeiro gesto «Jesus manifestou a sua glória e os seus discípulos acreditaram nele»: as verdadeiras núpcias aqui celebradas são as de Cristo com a Igreja, através do vinho abundante do Reino de Deus, das núpcias messiânicas (cf. Is. 25,6)… Não é por acaso que, logo depois deste acontecimento, João baptista poderá definir-se o «amigo do esposo» (Jo 3,29) já chegado; mais, escutando a voz do Esposo que fala à esposa, isto é à comunidade dos discípulos já passados de João a Jesus, eles exultarão de uma alegria inexprimível…

Jesus é o esposo messiânico, vindo para celebrar as núpcias com a sua comunidade, com aqueles que, aderindo a ele com toda a sua vida, procuram ser a esposa que Deus desde sempre procura e ama: mas nós cristãos temos consciência de ser a comunidade-esposa de Cristo Jesus? Compreendemos que em cada domingo na liturgia eucarística somos convidados a celebrar a nossa aliança terrena com o Senhor, na esperança da sua vinda na glória (cf. Ap 22,17-20)?

Enzo Bianchi
Prior de Bose
(tradução de Mário Rui de Oliveira)