O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

31.1.07

A VIDA HUMANA EM GESTAÇÃO

(foto de Anne Geddes)

É curioso notar que a Sagrada Escritura não contém nenhum texto, de forma clara e explícita, que condene a prática do aborto. Mas toda a cosmovisão bíblica assenta numa clara opção pela vida, já que o Deus dos cristãos «não é um Deus de mortos, mas de vivos» (Mt. 22, 32). Ao longo da história da Igreja sublinhou-se constantemente o valor da vida em gestação. Logo no princípio da era cristã, textos básicos, que espelham as opções fundamentais dos primeiros cristãos, como a Didaché, a Epístola a Diogneto; Atenágoras; e Tertuliano (para falar apenas nos primeiros 3 séculos) são manifestações inequívocas do «não» da comunidade cristã ao aborto e o «sim» à vida, dom de Deus que é Amor e Criador. Desde então, a doutrina oficial católica manteve sempre uma permanente postura contrária à realidade do aborto e afirmativa em relação com a vida em gestação.
Esta intransigência na defesa da vida humana trouxe, como todos sabemos, alguns dissabores e confusões aos cristãos. O que é preciso, a meu ver, é encontrar uma nova metodologia para falar destas questões. Aquilo que se propõe a referendo não são os casos de aborto terapêutico; aborto eugénico ou aborto humanitário ou ético. Todos estes casos estão já consignados na nossa legislação. O que é matéria de referendo é o chamado aborto psico-social, ou seja, o aborto provocado quando a gravidez resulta «não desejada» por razões de carácter social ou psíquico; problemas económicos, gravidez em mulheres solteiras ou como consequência de relações extra-conjugais, motivos psicológicos na mulher. Estes tipos de aborto são os mais frequentes.
É neste caso que se coloca um enorme confronto ético que discute dois valores: o valor fundamental da vida humana e o valor da liberdade. É nisto que se centra todo o debate e não tanto sobre se a mulher deve ser penalizada ou não (recordo que depois das 10 semanas o aborto será sempre penalizada pela lei!). Qual é o valor maior: a vida de um ser, que a ciência médica, filosófica e teológica, considera, pelo menos, «vida com destino humano» ( Gonzalez Faus), ou a liberdade da mulher de colocar um fim a essa vida?
Pode-se afirmar o que se quiser, mas a questão básica em toda a discussão ética sobre o aborto centra-se no direito à vida do não nascido. Tem um direito fundamental à vida, como atribuímos ao recém-nascido, ou existe algum fundamento objectivo para lhe conferir um valor menor ou nenhuma relevância ética ou jurídica?
A Igreja defende que a aventura da vida começa com a Fecundação, e o seu parecer vai acompanhado com os mais recentes avanços da ciência. Por isso, a sua posição é o reconhecimento da imoralidade do aborto tomado globalmente. A Igreja não tem que ser «politicamente correcta». Ela não deve temer os rótulos de «conservadora», «anti-progressista» e de «direita». Ao dizer «não» no referendo, a Igreja pretende afirmar que a vida humana, ainda que em potência, é o valor fundamental e, por isso, deve ser protegida. O «não» no referendo é um grito contra o nosso sistema político que foi e é incapaz de encontrar as soluções económico-sociais para os problemas dos cidadãos. O «não» no referendo é uma chamada de atenção ao desejo desenfreado de protagonismo político; o «não» no referendo é um sinal de que «ser progressista significa defender a vida e nada mais» (Adolfo Perez Esquivel, prémio Nobel da Paz); o «não» no referendo é também, ou deve ser, um compromisso por estar cada vez mais atento às necessidades dos seres humanos mais débeis, como os doentes, os velhos, as crianças violentadas e abusadas sexualmente; as mulheres exploradas; os desempregados e os pobres; o «não» no referendo é um «sim» à vida, mas sem fundamentalismos nem espírito de Cruzada; é um «não» EM CONSCIÊNCIA!

Mário Rui de Oliveira

1 Comments:

  • A defesa da vida deve ser feita om inteligencia sensibilidade e verdade.
    Revejo-me quase inteiramente no texto.
    Parabéns.

    By Anonymous Anónimo, at 10:31 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home