O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

25.6.06

Simpósio dos Presbíteros em Fátima: As relações entre bispos e presbíteros

A Constituição dogmática Lumen Gentium, o Decreto Presbyterorum Ordinis e tantos outros documentos recordam-nos que Cristo, a quem o Pai santificou e enviou ao mundo, por meio dos seus apóstolos, tornou os bispos, que são sucessores deles, participantes da sua consagração e missão; e estes, por sua vez, transmitem o múnus do seu ministério em grau diverso e a diversos sujeitos na Igreja. Assim, os presbíteros, cooperadores da ordem episcopal, são chamados para o serviço do povo de Deus, sempre na dependência do Bispo e na comunhão com ele, com quem constituem um único presbyterium. Cada sacerdote, seja diocesano ou religioso, está unido aos outros membros deste presbitério, na base do sacramento da Ordem, por particulares vínculos de caridade apostólica e de fraternidade, de tal forma que o ministério tem uma radical forma comunitária e só pode ser assumido como obra colectiva. Tudo isto, de facto, dependerá muito -- embora não só -- das sadias relações do bispo com os presbíteros, dos presbíteros com o bispo e dos presbíteros entre si, com tudo aquilo que esse bom relacionamento implica de exigência pessoal e comunitária. A promessa de obediência que os presbíteros fazem ao bispo no momento da ordenação e o ósculo de paz do bispo no final da respectiva liturgia significam que o bispo os considera seus colaboradores, filhos, irmãos e amigos, e que, em contrapartida, eles lhe devem amor e obediência pastoral (cfr. LG 28; PO 7; PDV 17).
Recordemos que a instituição do Sacerdócio ministerial ocorreu num ambiente de amizade, de comunidade e comunhão, aberta ao presente e ao futuro da missão. Quando Jesus quis participar aos Doze a sua missão, chamou-os e constituiu-os para andarem com Ele: eram os seus amigos por excelência (Mc 3, 14). Quando chegaram ao fim dessa caminhada comum de três anos -- verdadeira escola junto do Mestre -- Jesus, na oração sacerdotal da última ceia, dirigiu-se aos Apóstolos com apreço e amizade porque eles não o tinham abandonado nas suas provações (Lc 22, 28); recordou-lhes que o amor mútuo era o essencial do verdadeiro seguimento (Jo 13, 35); pediu ao Pai, para eles, a comunhão e a unidade e recordou-lhes que se permanecessem n’Ele dariam muito fruto (Jo 15, 4). A esta primeira comunidade sacerdotal o Senhor quis, na verdade, agregar outros cooperadores que, vivendo em comunhão com Cristo e através dele com o Pai, fossem, com a força do Espírito, ao encontro dos homens para lhes apresentar a pessoa e a palavra de Cristo, tornando-os próximos e livres. Devemos reparar, porém, que Jesus ao enviar os setenta e dois discípulos e os doze apóstolos, os enviou dois a dois (cfr. Lc 10,1; Mc 6,7), para que se ajudassem reciprocamente na vida e no trabalho, para que criassem o hábito da acção comum e para que ninguém se julgasse dono da vinha, se anunciasse a si mesmo, ou viesse a agir por conta própria ou de forma isolada, independente da comunidade: da Igreja e dos Apóstolos.
Quando Jesus reza pela consagração deles na verdade e pela sua unidade, reza para que a sua vida seja um reflexo da comunhão das pessoas divinas (cfr. Jo 17,11): isto é, reza para que eles vivam em verdadeira comunhão e na unidade da diversidade dinâmica e corresponsável. Essa oração, mesmo que diga respeito a toda a Igreja, refere-se, antes de mais, a eles, aos apóstolos que Jesus quis particularmente reunir à sua volta e estende-se aos bispos e presbíteros de todos os tempos e lugares. Jesus quer que a comunidade sacerdotal (Bispos e Presbíteros) seja reflexo e participação da comunhão trinitária, com tudo aquilo que isso significa e exige de vida, de dedicação e empenho. A realização deste ideal, porém, no contexto em que Jesus reza ao Pai, deixa entender que lhes vai exigir muito amor, generosidade e sacrifício. Jesus pede a unidade dos seus apóstolos e dos seus seguidores, precisamente no momento em que se preparava para oferecer a sua vida pela unidade e salvação de todos, em total despojamento e obediência filial. Na Eucaristia encontramos a escola desse despojamento, dessa doação da vida e dessa obediência filial.
Os membros dum presbitério não podem, pois, fugir aos sacrifícios que a construção da fraternidade presbiteral e o bom relacionamento entre todos lhes possa pedir. Antes pelo contrário, esclarecidos e fortalecidos pela palavra e atitude de Cristo, despojados de si próprios e preocupados com a qualidade do presbitério, devem saber perder para ganhar, descobrindo nesse perder uma forma de participação no sacrifício redentor do Senhor, uma maneira de dar a vida para que os outros tenham vida e vida de qualidade.
Esta fraternidade presbiteral, esta unidade e comunhão entendida à imagem e semelhança da comunhão trinitária, supõe e reclama, da parte de todos (bispo e presbíteros), uma grande ascese e uma total adesão à pessoa de Jesus Cristo, rosto de Deus uno e trino. Só através desta amizade verdadeira e de uma vida de comunhão no pensamento e na vontade de Cristo, a fraternidade se traduzirá «espontânea e alegremente, na ajuda mútua, espiritual e material, pastoral e pessoal, nas reuniões e na comunhão de vida, de trabalho e de caridade» (LG 28). Só assim o Presbitério terá força capaz para gerar uma autêntica família que se ame, respeite e promova; uma família verdadeiramente sacerdotal, espaço de alegria e liberdade, sempre aberta à corresponsabilidade diferenciada, à comunhão fraterna e dinâmica, ao respeito mútuo e à aceitação do princípio de subsidiariedade que torna possível as diversas instâncias de decisão e os comuns programas pastorais. Só assim o presbitério sentirá a solicitude pastoral por toda a diocese; a acção terá eficácia; o diálogo entre todos será constante, leal e respeitoso; a amizade, uma certeza; a formação permanente, uma exigência de maior fidelidade à vocação e missão; a partilha, o apoio e a generosidade pastoral uma realidade; a obediência será verdadeiramente apostólica, comunitária e pastoral gerando força, confiança e paz. Enfim, o presbitério será uma comunidade de sacerdotes que «estão juntos num caminho comum, numa solidariedade na fé comum» (Bento XVI), procurando ser ministros do futuro do mundo e do futuro de cada pessoa.

D. Antonino Dias
Bispo Auxiliar de Braga