O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

10.3.07

III Domingo da Quaresma

(Figueira centenária)


Depois de nos ter apresentado as tentações de Jesus e a sua transfiguração, o itinerário quaresmal proposto pela Igreja neste ano litúrgico C é um convite a meditar sobre a misericórdia de Deus e que em Jesus Cristo sempre nos chama à conversão, isto é, a regressar ao próprio Deus com todo o coração, com toda a inteligência e com todas as forças.

O excerto de hoje do evangelho de Lucas coloca-se no coração da subida realizada por Jesus, com decisão, para Jerusalém (cf. Lc 9, 51), onde se cumprirá a sua paixão, morte e ressurreição. Jesus tinha acabado de pedir a quantos o escutavam que se exercitassem no discernimento dos sinais dos tempos, que avaliassem eles próprios o que é justo (cf. Lc 12, 54-57), e eis que alguns submetem à sua atenção um trágico facto da actualidade, tal como acontecem também hoje com frequência: eles falam «sobre aqueles galileus cujo sangue Pilatos tinha misturado com o dos seus sacrifícios». A mentalidade religiosa do tempo via nesses acontecimentos um sinal do castigo de Deus pelo pecado, fazendo ocasião de juízo sobre as vitimas…

Jesus, pelo contrário, sabe assumir este evento na fé, colhendo daí um convite à conversão. E fá-lo com nítidas palavras: «Pensais que aqueles homens eram mais pecadores que os outros? Não, eu vos digo, mas se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo». E de seguida cita outro grave incidente, a queda da torre de Siloé, que tinha causado a morte de dezoito pessoas, comentando-o ainda com as palavras: «Se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo». Nesta vida terrena não existe um castigo de Deus que caia sobre os injustos enquanto poupa os justos, mas a verdade é uma outra: todos somos pecadores, seja quem está morto seja quem escapa com vida, e «quem pensa de estar em pé, deveria estar atento para não cair» (cf. 1 Cor 10, 12)… Jesus não pretende amedrontar ninguém, mas quer ensinar-nos que todos os acontecimentos requerem uma compreensão profunda, rica de sabedoria: é preciso saber ler isso no coração, não como simples facto de crónica, mas colocá-lo na história, ou melhor, na história da salvação, aquela que Deus leva avante invisivelmente todos os dias. Só assim cada um poderá compreender, antes de mais por si, que «Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva» (Cf. Ez 18, 23; 33, 11).

A fim de que isto seja claro, Jesus narra a parábola da figueira estéril, uma parábola por ele vivida na primeira pessoa. Deus, o dono da vinha (cf. Sal 80; Is 5), planta nela uma figueira; tentando por três longos anos aí colher frutos —aqueles «frutos de conversão» (Lc 3,8), já pedidos por João Baptista— não os encontra. Então dirige-se a Jesus, o vinhateiro, pedindo-lhe que corte a figueira porque se arrisca de tratar inutilmente o terreno. Trata-se de uma medida de justiça, à qual porém responde o vinhateiro: «Deixa-a ainda este ano para que eu a cave em redor e lhe deite adubo e veremos se no futuro dará fruto». Jesus não se limita a invocar uma dilatação do tempo, mas intercede com força, pedindo a Deus que desista do mal ameaçado, como tinham feito os profetas de Israel, de Moisés (cf. Ex 34, 9) a Amos (cf. Am 7,2), e tantos outros. No fazer isto ele empenha-se a trabalhar ainda com maior atenção a fim de que seja feito todo o possível para ajudar a planta, isto é, cada um de nós, a dar fruto…

Em todo o caso, Jesus Deixa a Deus a difícil decisão do juízo ultimo: «Se não der fruto, tu o cortarás, não eu». Nesta conclusão podemos colher a grandeza da misericórdia e paciência de Jesus, aquele que com toda a sua vida nos narrou o Deus que é «misericordioso e cheio de compaixão, lento para a ira, grande no amor e na fidelidade» (Ex 34, 5). Ora, se Jesus nunca condenou ninguém, mas sempre ofereceu a todos a possibilidade da conversão, tanto menos compete a nós erguermo-nos como juízes da fecundidade ou esterilidade dos outros! Eis porque, como muitas vezes acontece nas parábolas, também esta fica aberta, qual apelo a cada um de nós a dar frutos de conversão.

Jesus sabia bem que «a misericórdia leva sempre a melhor no juízo» (Tg 2,3). E é precisamente o conhecimento desta misericórdia de Deus, mais forte que a evidencia do nosso pecado, que nos pode impelir à conversão. Sim, cada dia o cristão deveria dizer com convicção: «Hoje recomeço, hoje posso recomeçar», sem nunca colocar limites à misericórdia de Deus.

Enzo Bianchi
Prior de Bose

[trad: Mário Rui de Oliveira]