Simpósio do Clero em Fátima: Ordenações — Festa
O tema da “Composição” tinha a idade dos dinossauros: “O que queres ser quando fores grande?!”. Por entre futuríveis médicos, enfermeiras, cabeleireiras, engenheiros, bombeiros, aviadores, destoou o Manuel, que timidamente expressou o desejo de ser padre. Os colegas riram-se. A professora, devota, aplacou as ironias e encontrou tema de confidência com o Senhor Abade.
Este também já tinha pensado no assunto, dada a assiduidade do rapaz à missa, sempre colaborante, hábil no manejo das galhetas, apesar de, por vezes, em plena celebração, o ver aos “penicões” e “peguilhado” com o filho do Custódio.
“Então, Manel, ouvi dizer que queres ir para o Seminário?” – inquiriu o pároco no domingo seguinte à conversa com a mestra. O rapaz corou, acabou por anuir, sentiu-se abalroado pelo entusiasmo do reverendo e aceitou a oferta: o próprio Senhor Abade iria conversar com os pais dele.
Bem, a ideia não lhes desagradava de todo. Mas ver o filho partir… E será que vai dar um bom padre?! E como suportar as despesas?! E que dirão os da terra se ele não chegar ao fim?! - Mas se é desejo do rapaz, deixá-lo lá ir. E pelo bem de um filho, os esforços são como as rosas: picam os dedos, mas exalam uma bela fragrância.
No Anuário do Seminário, em foto bem fresca, muito bem apessoado, com a gravatinha alinhada, lá aparece, por entre os alunos do 7º ano, o Manuel. E nele se cravam os esperançosos olhares dos pais e restante família, da paróquia (há quanto tempo não dava um padre à Igreja…), da Equipa Formadora (quem dera que o rapaz se não perca… temos que o motivar… há que cuidar do espírito… o empenho no estudo é essencial… as boas maneiras impõem correcções no falar, no vestir, no modo de estar à mesa…), do Bispo (na última visita ao Seminário quis saber quem ele era, donde vinha, em que ano andava…), da Igreja (então, entraram muitos este ano para o Seminário Menor?! E que tal, são bons moços?! O futuro será risonho?!...). Os anos foram passando. Com êxitos e fracassos. Com momentos de pulmões cheios, e outros de coração mirrado. Com tempos de certeza quase absoluta, e outros polvilhados de interrogações. Com etapas norteadas por um forte ideal, e outras perdidas num labirinto de solicitações e hipóteses. Com dias de levar o mundo à frente, e outros de nem sequer querer ver o mundo pela frente.
Só que por entre as turbulências e as certezas, por entre as inconstâncias e os ideais, O Manuel foi cumprindo, no Seminário, na paróquia, nos estudos, em casa, no convívio com os colegas – estes sempre solícitos a questioná-lo, eternamente preocupados com a questão do celibato…
Entretanto, o Manuel foi percebendo que barco que não tem rumo nunca tem ventos favoráveis. Que Deus não nos quis (nem quer) terráqueos de asas partidas. Que só vale a pena viver quando fazemos com que a vida valha a pena. Que só um ideal, nobre, abraçado a sério, nos arrebata à rotina e à mesquinhez.
E mesmo nos momentos de tanto ruído, de tantos ruídos, ele nunca deixou de ouvir uma voz suave, interior e inquietante: “Vem, e segue-Me”; “A Messe é grande, mas os trabalhadores são poucos”; “O maior amigo é aquele que dá a vida…”; “Deus precisa de ti…”.
Decidiu-se!
E o Abade não cabe em si de contente, agora a mobilizar a paróquia para o grande acontecimento da Ordenação.
Curioso: desta vez parece que até não precisa de se esforçar muito. O povo está todo orgulhoso por ver um dos seus, o filho da Ti Joaquina e do Aníbal, a atingir a meta. Alguns até já vêem mais longe e começam a estar preocupados com o tapete de flores, com os arcos a colocar na Avenida da Igreja, com as mesas, os talheres e, claro, com tudo aquilo que impede que o estômago se aproxime perigosamente das costas.
E o terceiro Domingo de Julho acaba por chegar. Os carros, muitos, desafiam a montanha do Sameiro. Eis a hora: de os responsáveis da Igreja Diocesana abraçarem um novo filho no sacerdócio e um colaborar na construção do Reino; de os familiares sentirem a recompensa de tanto investimento, tanto carinho, tanta expectativa suada; de o pároco ajudar o “ex-seminarista” a paramentar-se, num gesto cúmplice que se legenda com afecto e continuidade; de os colegas no sacerdócio sussurrarem um sentido “parabéns” e “bem-vindo ao clube”; de o povo dizer: apreciamos a tua coragem, o teu altruísmo, o teu amor a Cristo e a esta Igreja que somos; de o ordinando de sentir amado, por Deus e pelo Seu povo, e de se sentir responsável “pelas rosas que cativou”.
Recebendo as felicitações do povo de Deus, o novo sacerdote percebe: está aqui o sentido de toda a minha vida. E o sentido é este: amar o povo de Deus, porque amo a Deus; testemunhar o amor que tenho a Deus, amando o Seu povo. A partir de agora, mãos à obra. Fazendo da Eucaristia o centro da minha vida. E percebendo a eterna lição da Quinta-feira santa: a verdadeira grandeza passeia-se sempre… de toalha à cintura!
Paulo Abreu
Reitor do Seminário Conciliar de Braga
1 Comments:
I say briefly: Best! Useful information. Good job guys.
»
By Anónimo, at 1:48 da manhã
Enviar um comentário
<< Home