O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

12.7.06

A decepção como forma de elegância


«A decepção também é uma maneira de reflectir sobre o objecto que se observa. A decepção não é uma novidade, sempre existiu. Por exemplo na época de Cervantes, o 'Dom Quixote'... Ou se pegar na maior decepção que é a história do príncipe da Dinamarca, o sr Hamlet... 'Othello' também é a decepção permanente. As obras de Proust são de uma tristeza irredimível. Já para não falar da literatura russa...
A decepção é uma chave que abre perspectiva sobre as coisas, e se as conseguirmos comunicar, se conseguirmos reflectir com o espectador imaginado para quem fazemos o filme, nem tudo está perdido. Mesmo Fritz Lang, quando foi para a América e deixou para trás a Alemanha e aquele regime abominável, continuou a filmar com a esperança de que um dia as coisas renascessem. Os seres humanos são como a Fénix, renascem das cinzas. Isso que diz da decepção é verdade, mas ao mesmo tempo há um sentimento de partilha, a noção de que há alguém do outro lado. As obras de Gogol são um pesadelo, como as 'Almas Mortas'; mas são dirigidas a alguém que ainda não é um monstro. Esta partilha introduz o optimismo em qualquer obra. O que detesto é que a decepção deixe de ser uma forma de elegância, como em certos filmes que se limitam a ser desagradáveis. E aí é que já não há esperança, nem ninguém com quem falar».

in Y, Suplemento do Publico, entrevista ao cineasta georgiano Otar Iosseliani (n. 1934) que esteve presente em Lisboa, na Cinemateca, na abertura da retrospectiva da sua obra. Filmou na Geórgia, durante a vigência da URSS, até aos anos 70. Depois foi para França, na década de 80.