O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

4.1.07

Aporias de um debate (1)

(fotografia de Anne Geddes)

O título de uma pequena série de reflexões, que me proponho fazer, está a indicar o teor genérico, impreciso e frequentemente confuso do jogo de posições e declarações, em praça pública, à volta de um tema. No caso em questão poderemos desde já enunciar algumas aporias: debate aberto, franco, despreconceituoso ou combate ideológico, oferta das razões sérias do interrogar-se ou da sinceridade das convicções pessoais ou a insistente e inalterável sloganização de decisões de estruturas, sejam partidárias ou eclesiásticas, sobre as quais não se deve pensar mas apenas impor aos outros? Um diálogo sobre a vida e pela vida ou uma fria luta sobre um drama, o aborto? Despenalizar um acto ou legalizar uma opção de indiferença mortal face ao presente e futuro de um bebé?
Tenho a sensação de que estamos longe de saber do que queremos falar pelos escritos, declarações, manifestações… ou então, a suspeita assalta-me: não será que queremos mesmo navegar em águas turvas para camuflar interesses ainda que seja só e apenas o de garantir a estabilidade das nossas posições e a comodidade de não ter que rever o quadro das nossas ideologias? Fazemos campanhas de momento e a reboque do efémero ou apostamos mais longe num persistente e paciente «esclarecimento das consciências»?
Por hoje, perguntemo-nos apenas: de que falamos ou de que é que se ouve falar com a palavra aborto? Lembremo-nos que há aborto terapêutico, eugénico, espontâneo e provocado… A adjectivação não é insignificante nem inócua. O substantivo não é suficiente para caracterizar uma situação. A polémica incide sobre o aborto provocado, seja ele clandestino ou “legal”, e importa interrogar-se sobre o alcance e as motivações do aborto terapêutico e/ou eugénico. Naturalmente que o aborto espontâneo não traduz qualquer opção consciente do sujeito, da mulher, e até, em muitos casos, é vivido como uma tragédia que se não esperava. E, excessivamente, pode alguma mulher culpabilizar-se por uma tal fatalidade biológica! O que transcende a opção livre e responsável do sujeito não é inequivocamente do domínio da ética ou moral religiosas ou laicas. Não per-turbemos o que de si mesmo é claro e evidente.
Continuaremos, em breve, a apresentação de aporias do debate com o objectivo modesto e humilde de esclarecer e de ultrapassar eventuais, ou mesmo reais, confusões. Espero que a precisão do vocabulário não seja interpretada como um puritanismo académico inútil, mas um passo indispensável para acordarmos (pormo-nos de acordo) naquilo que falamos ou queremos debater, envolvendo todos os intervenientes.

Luís Esteves
(Artigos publicados e cedidos
generosamente pelo jornal Diário do Minho)