O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

19.8.06

XX Domingo Tempo Comum: «quem come a minha carne e bebe o meu sangue»


XX DOMINGO DO TEMPO COMUM
Jo. 6, 51-58


Depois da narração do sinal operado por Jesus (cf. Jo. 6, 11-13) e a compreensão deste evento qual revelação de Jesus «pão da vida eterna» para quem o Pai atrai os homens (cf. Jo. 6, 26-51), hoje lemos algumas palavras de Jesus que iluminam o gesto por Ele deixado aos discípulos mais tarde, no fim da sua existência terrena: a Eucaristia, que João não apresenta como «instituída» por Jesus na última ceia (cf. Mc 14, 22-25 e par.), mas coloca aqui como anúncio na boca do próprio Jesus.

No diálogo com os chefes religiosos de Israel dentro da sinagoga de Cafarnaum, Jesus aprofunda ulteriormente quanto afirmado ao longo de todo o capítulo sexto do quarto evangelho, chegando à revelação decisiva: «Eu sou o pão vivo, descido do céu… O pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo». Este anúncio —que contem em si também uma promessa, como mostra o verbo no futuro— surge enigmático e escandaloso; Jesus exprime-se em termos particularmente crus e realistas, que ainda hoje fazem confusão aos nosso ouvidos: como é possível que um homem se dê a si próprio, a sua carne, a comer aos outros? Sim, quem não tem fé pode somente ficar escandalizado com estas palavras, que constituem um real motivo de escândalo…

E no entanto, face ao desconcerto dos seus interlocutores, Jesus reforça a afirmação e o faz em tom particularmente solene: «Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o seu sangue, não tereis em vós a vida!… A minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue é verdadeiramente uma bebida». Trata-se, portanto, de comer a carne e beber o sangue do Filho de Deus, isto é de comunicar com toda a sua vida, de assimilar como alimento e bebida a inteira vida de Jesus, a ponto de chegar a viver como ele viveu (cf. Fil. 2, 5; Tt 2, 11-12). Ao mesmo tempo estas palavras evocam também a paixão e morte de Jesus, o seu fim violento e injusto sofrido na Cruz, o seu corpo despedaçado e o seu sangue versado, dom de uma vida gasta pelos outros, dom de um amor vivido até ao extremo. De tudo isto a Eucaristia é o sinal e a narração na vida da Igreja…

Deve ser reconhecido que este anúncio eucarístico é verdadeiramente o grande mistério da fé e, simultaneamente, o grande mistério do amor. É mistério da fé enquanto se trata de comer e beber não um simples alimento e uma simples bebida, mas nada mais nada menos que a carne e o sangue do Filho de Deus, aquele que desceu do céu (cf. Jo. 3, 13; 6, 38.41.42) e ao céu subiu na hora da sua morte e ressurreição (cf. Jo 3, 13; 20, 17). É mistério do amor porque é preciso acolher, conhecer, amar e assimilar a vida de Jesus, na certeza de que essa é a narração do agapé, do amor de Deus pelos homens (cf. Jo 3,16; 15,9; 17,23-26).

Há, portanto, uma grande possibilidade oferecida aos que acreditam em Jesus Cristo, a de que o próprio Jesus viva nele e ele em Jesus: «Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele». Mas há mais: «Como o Pai, que tem a vida, me enviou a mim e eu vivo pelo Pai, também aquele que de mim se alimenta viverá por mim»: por meio de Jesus o crente pode participar da própria vida de Deus, a vida divina e eterna (cf. 2 Pe 1,4)! Por outras palavras: quem vive do amor de Jesus (cf. Jo 13,34; 15,12) vive da própria vida de Deus que é amor (cf. 1Jo 4,8.16), amor mais forte que a morte (cf. Ct 8,6) e de todo o pecado (cf. Lc 7,47).

À luz de tudo isto se compreende bem também o que está escrito no prólogo do quarto evangelho: «a Palavra fez-se Carne» (Jo 1,14), uma carne que na Eucaristia pode ser assimilada seja sob a forma das palavras de Jesus seja naquela sacramental do seu corpo e do seu sangue. Chegamos assim a uma compreensão profundíssima, que ilumina o grande mistério da eucaristia que nos é anunciado em todo o Novo Testamento: João revela-nos que a Eucaristia não é apenas memorial da paixão, morte e ressurreição de Jesus, mas é memorial de toda a vida do Filho, da sua vida junto do Pai antes que o mundo existisse, até à sua vinda na glória no fim dos tempos. É a este «cálice da síntese» —segundo as palavras de um padre da Igreja — que nós comungamos sempre que nos aproximamos da Eucaristia.