O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

5.8.06

«Este é o meu Filho muito amado»

(Ícone da Transfiguração)

A TRANSFIGURAÇÃO Mc 9, 2-10

Logo depois de ter anunciado aos seus discípulos a necessidade da sua morte e ressurreição (Mc. 8, 31), Jesus, sobre o monte alto (o Tabor segundo a tradição), conhece uma experiencia de comunhão com Deus que tem como testemunhas os três discípulos mais íntimos: Pedro, Tiago e João. A Transfiguração acontece na carne humana de Jesus e, ao contrario da ressurreição, tem testemunhas oculares. Essa parece uma experiencia que tem Deus como autor (a forma passiva ‘foi transfigurado’ diante deles indica isso): trata-se portanto do sim de Deus ao homem Jesus, ao seu ministério, ao caminho que Ele está cumprindo a caminho de Jerusalém.

Jesus, como tantas outras vezes no seu itinerário histórico, «toma consigo» alguns discípulos e leva-os para outro lugar, para os introduzir no conhecimento do mistério da sua pessoa e na arte da relação com Deus. Na solidão e no silencio daquele «retiro» acontece algo de divino: a luz que envolve Jesus revela a qualidade divina que mora no homem Jesus. A experiencia da luz, como sempre na Escritura, é suscitada pela palavra de Deus: Elias e Moisés, ou os Profetas e a Lei, dialogam com Jesus. A Escritura conduz a Cristo. E não é por acaso que no coração da Transfiguração está a voz do alto que convida à escuta: trata-se da escutar o Filho escutando a Escritura, o Antigo e o Novo Testamento. De resto, se Elias e Moisés reenviam ao Antigo Testamento, Pedro, Tiago e João representam os Doze e a nova Aliança. Na vida espiritual cristã Jesus não pode nunca ser separado das Escrituras que falam dele, de outro modo acabaríamos por dirigirmo-nos não ao Senhor revelado pelo desígnio de Deus, mas a uma projecção das nossas imagens. Sem as Escrituras, corremos o risco de reduzir Jesus a mestre, guru, profeta, libertador politico e, portanto, de não acolhê-lo na sua autentica dimensão salvífica: a de Senhor.

Na Transfiguração, a Palavra da Escritura longamente escutada e meditada por parte de Jesus, torna-se experiência de comunhão vivente. Não leitura de páginas, mas dialogo com viventes: Elias e Moisés são viventes em Deus e Jesus está conhecendo uma experiencia de comunhão dos santos.

A esta comunhão participam de certa maneira também os três discípulos que, pela boca de Pedro, dizem a beleza do seu estar sobre o monte com Jesus. Todavia a experiencia espiritual não se esgota numa dimensão estética ou emocional, e exactamente Pedro, que não tinha querido escutar Jesus quando havia pré-anunciado a sua paixão e morte (Mc. 8, 32-33), é alertado pela voz divina da necessidade de escutar as palavras de Jesus. A escuta da palavra pode reconduzir à objectividade um Pedro que, fascinado e amedrontado, é presa do êxtase e do medo e «não sabe o que dizer». Sem a escuta da palavra do Senhor, Pedro, e com ele todo o cristão, não sabe o que dizer e não tem nada para dizer e arrisca-se até a dizer coisas vácuas e anunciar não Cristo mas a si mesmo.

A verdadeira beleza que emerge da experiencia da Transfiguração é a da comunhão: uma comunhão não psicológica ou afectiva, mas fundada em Cristo e que tem em Cristo, definitivo revelador do rosto do Pai, o seu centro. A esta comunhão bela podemos também chamar santidade. Trata-se portanto de comunhão e beleza em devir, não estática, não fixa, mas dinâmica. E movidos por aquela força do Espírito Santo ao qual faz alusão a «nuvem» que transmite a palavra de Deus e que envolve também os discípulos.

O dinamismo da acção santificante do Espírito requer então que os discípulos desçam do monte e regressem ao quotidiano, porque aquele é o lugar da santificação. E a contemplação do Cristo transfigurado será para os discípulos será penhor da sua ressurreição. O transfigurado anuncia o Ressuscitado. Anuncia a grande vitória da comunhão, do amor e da beleza sobre o isolamento e a morte. Anuncia o Reino de Deus, aquele Reino de salvação universal que os discípulos puderam contemplar no homem Jesus, aquele que soube fazer reinar Deus sobre si integralmente, totalmente.