O Bom Pastor:

Formação do Clero da Arquidiocese de Braga

26.8.06

A liturgia de domingo: «isto escandaliza-vos»?




XXI DOMINGO DO TEMPO COMUM
Jo. 6, 60-69

A catequese sobre o «pão vivo quer desceu do céu» (Jo 6,51) consequente ao sinal da multiplicação dos pães realizada por Jesus (Jo 6, 11-13) chegou ao fim; agora o Evangelho descreve a reacção dos discípulos a este discurso, aqueles que tinham sido chamados por Jesus, que o tinham seguido e instruídos por Ele, o último e definitivo revelador de Deus (cf. Jo 1,18; 6,45).

A reacção dos discípulos é aquela já registada a propósito dos chefes religiosos (Jo 6,41-43): essa assume a forma de murmuração e escândalo: «Esta linguagem é dura —isto é incompreensível, inaceitável —; quem pode escutá-la?» Aconteceu tantas vezes ao longo da história da salvação, aconteceu a Jesus e aos seus discípulos, acontece ainda hoje nas nossas comunidades cristãs: mais cedo ou mais tarde se ouve a palavra do Senhor que parece exigir demasiado, uma palavra inesperada que parece impossível de realizar; face a ela cada um de nós é colhido pelo medo, até rejeitá-la da sua própria vida. Nesta situação esquecemo-nos da vocação recebida de Deus e da própria resposta dada a tal chamamento: é a hora da crise, mas infelizmente não se tem a força de a ler como uma passagem através da provação em vista de uma purificação, de uma adesão mais completa e mais sólida ao Senhor…

E no entanto, no meio desta crise comunitária Jesus não adoça as suas palavras. È quanto nos testemunham também os evangelhos sinópticos, quando narram a firmeza de Jesus diante de Pedro que contesta a necessidade da paixão (cf. Mc 8, 31-33; Mt 16, 21-23), dos discípulos que se opõem ao anúncio do matrimónio fiel (cf. Mt 19, 3-10), a quem recusa a partilha das riquezas (cf. Mc 10, 17-31). O mesmo acontece também aqui: não se podem esvaziar as exigências radicais do evangelho, parece dizer Jesus. Ele pede aos discípulos: «isto — isto é o anúncio eucarístico feito pouco antes (Jo 6,48-58) — escandaliza-vos? E se vissem o Filho do homem subir para onde estava antes?» São palavras com as quais Jesus anuncia a própria paixão e morte, o seu êxodo humanamente ignominioso deste mundo para o Pai. De facto, eucaristia e paixão-morte estão estreitamente ligadas, enquanto a eucaristia narra e sintetiza na «hora gloriosa» da morte da cruz (Jo 12,20-33; 17,1-5) toda a vida do Filho… Por outras palavras, é este o escândalo da cruz (1Cor 1,23): para não ficar presa disso é preciso acreditar em Jesus, aderir firmemente a toda a sua vida, sem escandalizar-se dele (cf. Mt 11,6).

E contudo Jesus sabe que entre os seus discípulos há quem não acredite. Como é possível? Sim, é possível que muitos que pensam ser crentes em Deus sejam na realidade incrédulos, como mostra a sucessiva controvérsia de Jesus com alguns dos judeus (Jo 8,31-59); é possível até que entre aqueles que foram envolvidos mais de perto com a vida de Jesus haja também quem não acredite nele, mas o seguem por outros motivos não confessados ou não confessáveis…É a esta a amarga experiencia que Jesus faz referencia quando afirma: «O escravo não fica para sempre na casa; só o filho permanecerá para sempre» (Jo 8,35). Quem fica na comunidade de Jesus como um escravo, antes ou depois fugirá, abandonando o Senhor e os irmãos; para perseverar na sequela de Jesus não basta um ideal nem são suficientes as nobres motivações: é preciso uma fé segura!
«A partir daquele momento alguns dos seus discípulos retiraram-se e não foram mais com ele», anota com duro realismo João, deixando entrever uma grave crise comunitária. É a este ponto que Jesus se dirige aos Doze, aos mais íntimos, com palavras provocatórias e, ao mesmo tempo, libertadoras: «Também vós quereis ir?». E Pedro responde, em nome dos Doze: «Senhor, a quem iremos nós? Tu tens palavras de vida eterna; nós acreditamos e conhecemos que tu és o Santo de Deus». Mas o longo capítulo sexto do quarto evangelho conclui-se com algumas palavras que constituem uma severa admonição para todo o cristão, que nunca se poderá considerar como garantido na própria sequela do Senhor: «Não eu fui que vos escolhi a vós, os Doze? E no entanto um de vós é um diabo!». Ele falava de Judas, filho de Simão Iscariotes: este de facto estava para o trair, um dos Doze» (Jo 6, 70-71).